De um cenário de empresa estatal na década de 1970 à atual chegada de grandes empresas privadas, o Brasil é um país de dimensões continentais que representa um expressivo potencial para o uso da comunicação por satélite. Diante disso, como usar o poder de consumidor a favor do desenvolvimento do país?

O tema foi discutido no painel Satélites: panorama do mercado nacional e internacional, durante a Futurecom 2024, com a participação de Mauro Wajnberg, presidente da Abrasat; Fabio Alencar, presidente da Sindisat; Lincon de Oliveira, diretor geral de satélites da Star One Embratel; e Juan Pablo Cofino, sales VP America Connectivity da Eutelsat.

Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostram que, dos cerca de 49,7 milhões de acessos mensais de Banda Larga no Brasil, aproximadamente 1% é via satélite.

A moderadora Ana Paula Lobo, editora chefe da Convergência Digital, abriu o debate falando sobre a revolução causada pela entrada da Starlink no mercado brasileiro, empresa de Elon Musk que lidera a internet por satélite no país, com 224,5 mil conexões registradas na Anatel.

Para Fabio Alencar, o Brasil sempre foi um grande mercado consumidor de satélite, desde a criação do Intelsat na década de 1970, e isso atrai os maiores operadores globais. A entrada do novo player foi importante para a indústria pelas inovações trazidas e também por colocar o assunto de volta às manchetes. Mas ele lembra que existem muitas outras empresas e esse mercado não é um monopólio privado.

“Tem muitas outras constelações vindo, posso citar a Amazon Kuiper, que tem um porte de investimento comparável. E isso trouxe outros investimentos, outros players, e várias outras soluções”, disse o presidente da Sindisat. “O Brasil tem um valor de mercado muito grande, pois o satélite é a solução mais adequada para resolver os problemas de integração do país.”

Lincon de Oliveira reforçou que a Starlink representa uma disrupção que força o mercado a se reinventar e propor novas soluções. Mas também ressaltou que esse é um cenário que engloba muitos outros players, como o Telesat Lightspeed e o Eutelsat OneWeb.

“A Star One foi criada dentro do grupo Embratel para operação de satélite geoestacionário e fomos incorporados à Claro SA. Nós já estamos absorvendo essa nova arquitetura que chega das constelações em nosso portfólio”, explica o diretor geral de satélites da Star One Embratel.

Ele reforça que, mais do que nunca, o mercado de satélite no Brasil está positivo. “O país tem um passado bem-sucedido da época do satélite como empresa estatal, mas agora, com empresas privadas, o satélite está pujante, estamos vivendo transformações e isso é bom porque estamos nos defrontando com novas soluções e novas oportunidades.”

Para dimensionar o tamanho deste mercado “em ebulição”, o presidente da Abrasat afirmou que a associação conta hoje com aproximadamente 30 associados, entre operadoras, fabricantes de equipamentos e prestadores de serviço. “Quando abriu o mercado, há 25 anos, tinha 4 satélites estatais. Hoje, já perdi a conta, deve ter uns 30 satélites geoestacionários. Isso mostra com o mercado é bem-sucedido.”

Mauro Wajnberg contou que este momento é chamado de new space, que é uma conjunção de fatores: novas tecnologias espaciais disponíveis, a entrada de capital privado, e uma demanda enorme em termos de serviços. “Isso levou a uma aceleração da inovação tecnológica, com alguns players se movimentando mais rápido que outros, mas estamos vendo a consequência disso.”

Preço do serviço

Ana Paula Lobo levantou o alto preço para o usuário como ponto fraco do serviço de comunicação por satélite.  

Lincon de Oliveira disse que os preços estão caindo com a entrada das constelações. “Ainda pode ser caro comparado com uma solução terrestre para um local urbano, mas em um ambiente remoto, a solução terrestre fica muito mais caro que o satélite.”

O diretor da Star One Embratel acredita que a “guerra de preços” entre as empresas pode matar a concorrência e criar um monopólio dos players mais ricos. “Os valores não podem ser tão baixos a ponto de não justificar um novo investimento. Muitos operadores hoje estão estudando com seriedade se vão fazer reposição dos seus satélites”, afirma.

Nesse cenário, Mauro Wajnberg explica que os operadores sempre buscam melhorar o preço e isso é possível aumentado a capacidade do satélite, pois sua vida útil é limitada. Ele cita os satélites de comunicação HTS (High Throughput Satellite), que tem cobertura com reuso de frequência, aumentando o número de usuários.

Os especialistas citaram algumas aplicações onde o satélite tem vantagem no preço: em um ambiente remoto, onde a solução terrestre fica mais caro que o satélite; broadcast, para replicar a mesma informação para milhões de usuários, o satélite é o meio mais barato que a aplicação em fibra; e constelações dedicadas para IoT, de baixa órbita, que trazem soluções muito competitivas.

D2D: comunicação direta entre celulares e satélites

O serviço de comunicação direta entre celulares e satélites (D2D, do inglês Direct-to-Device) é uma solução que está sendo estudada em diversos países, inclusive no Brasil. A solução possibilita que o usuário use seu smartphone direto com satélite quando estiver fora da área de cobertura terrestre da operadora, complementando a conexão.

Segundo Lincon, existem duas maneiras de fazer o D2D: uma é usar frequências do Serviços Móveis via Satélite (MSS, do inglês Mobile Satellite Service), que são frequências específicas já predeferidas no mundo inteiro para isso; a outra é usar o espectro da operadora móvel. O assunto está em aberto e está sendo regulamentado.

O diretor geral de satélites da Star One Embratel acredita que usar a banda da operadora móvel é a chave para ter volume, o que significa ser atrativo do ponto de vista de preço. Para ele, o espectro do MSS é mais limitado, “então você talvez não consiga ter milhões de assinantes utilizando aquele sistema”.

“A nova tecnologia que está chegando e está sendo estudada pelas empresas em busca de uma padronização com o 3GPP (3rd Generation Partnership Project), chegando até o 6G, de tal maneira que tudo isso seja o mundo nativo, onde o celular fala normalmente com o satélite. Isso é muito bom porque cria volume, escala, flexibilidade, serviço e a satisfação de você alcançar o ideal de ter conexão em qualquer lugar”, afirmou Lincon.

O presidente da Abrasat lembrou que o D2D, além da comunicação com o celular, é também a comunicação para a internet das coisas (IoT). “Falando da conexão direta de um device com uma constelação de satélite, temos um rol de aplicações quase que infinito: monitoração de frota, energia elétrica, linhas de transmissão, agricultura, gado. Num país como o Brasil, é um leque de aplicações enorme”, analisou Wajnberg.

A previsão para a chegada da tecnologia D2D no Brasil é até 2026, segundo o presidente da Sindisat. Porém, ele acredita que a solução só irá se popularizar quando as operadoras avançarem mais com a fibra e o 5G e o preço do satélite se igualar ao da cobertura terrestre, para que não seja cobrado valor extra por minuto.

“Acho que, no futuro, a indústria do satélite vai estar totalmente integrada com toda a rede terrestre. Para os usuários, o satélite vai ser transparente e vai permitir efetivamente a conectividade em todo o Brasil”, finalizou Alencar.