A fragmentação dos prontuários eletrônicos ainda é um dos maiores obstáculos para uma saúde mais conectada, segura e eficiente.
“Trata-se de um verdadeiro silo de informações que impede a coordenação do cuidado e compromete a segurança do paciente”, observa Walter Maier, gerente de tecnologia da Unimed João Pessoa.
Entende-se que os dados dispersos entre hospitais, clínicas e laboratórios atrasam diagnósticos, geram duplicação de exames e dificultam a prevenção de doenças.
A convergência entre blockchain, inteligência artificial (IA), Internet das Coisas (IoT) e tecnologias vestíveis abre caminho para um novo modelo de assistência, no qual o histórico médico do paciente é contínuo, seguro e interoperável. Fique por dentro do tema a seguir!
O labirinto dos dados: o paciente entre sistemas desconectados
Ao longo da vida, uma pessoa passa por inúmeros pontos de cuidado, como consultas, internações, exames, tratamentos etc.
Cada interação gera dados valiosos, mas que raramente se integram entre diferentes instituições.
O resultado é um labirinto informacional que obriga o profissional de saúde a reconstruir, a cada atendimento, o passado clínico do paciente.
Maier reforça que essa falta de interoperabilidade “não é apenas um desafio técnico, mas uma barreira à dignidade do cuidado”. Segundo ele, é urgente criar sistemas capazes de unificar dados e torná-los acessíveis aos profissionais autorizados, com consentimento e segurança.
Com a integração de dispositivos IoT — como sensores hospitalares, monitores cardíacos e wearables —, o volume de dados médicos cresce de forma exponencial. Sem um modelo confiável de armazenamento e rastreamento, a informação perde valor clínico. O blockchain, dentro desse contexto, funciona como o alicerce dessa confiança.

Blockchain: o elo seguro para unificar e proteger dados de saúde
O blockchain, conhecido por sustentar as criptomoedas, é uma infraestrutura de confiança descentralizada baseada em registros imutáveis.
Cada novo dado adicionado — um exame, um diagnóstico, um resultado vindo de um smartwatch — é validado, criptografado e registrado em um bloco que se conecta aos anteriores.
Essa estrutura evita adulterações e elimina o risco de um ponto único de falha, garantindo rastreabilidade, transparência e segurança.
Maier explica que o blockchain é uma rede segura, descentralizada e interoperável, em que o histórico completo do paciente pode ficar acessível aos profissionais autorizados, com consentimento.
Além disso, a tecnologia permite integrar fluxos de informação vindos de IA e dispositivos IoT — por exemplo, relógios inteligentes que monitoram batimentos cardíacos ou níveis de glicose.
Esses dados são automaticamente registrados e validados em blockchain, criando um histórico médico vivo e confiável.
Esse ecossistema já inclui uma variedade de dispositivos, como:
- Anéis com sensores biométricos: registram dados como frequência cardíaca, temperatura e padrões de sono;
- Adesivos de monitoramento contínuo: acompanham sinais vitais ou parâmetros metabólicos ao longo do dia;
- Sensores de glicose sem agulha: medem variações glicêmicas de forma contínua e não invasiva;
- Fones com medição fisiológica: coletam informações como frequência cardíaca e níveis de estresse por meio do canal auditivo;
- Roupas funcionais com sensores integrados: capturam movimentos, atividade muscular e condições corporais durante tarefas diárias.
Conectados a uma arquitetura blockchain, esses dispositivos criam uma cadeia de dados rastreável que reduz inconsistências, simplifica auditorias e fortalece o apoio à decisão clínica.
Inteligência Artificial e IoT: dados contínuos na medicina preventiva
Os avanços da inteligência artificial ampliam o potencial do blockchain na análise e uso dos dados médicos.
Modelos preditivos treinados com informações provenientes de tecnologias vestíveis e sensores IoT conseguem identificar padrões de risco e antecipar condições clínicas. De tal forma, contribuem para a medicina preventiva, acompanhando doenças crônicas e realizado intervenções mais precoces.
Ainda no campo da medicina preventiva, com base em dados autenticados por blockchain, algoritmos de IA podem detectar variações anormais em sinais vitais, prever crises hipertensivas, controlar o uso de medicamentos e personalizar planos de cuidado.
A confiabilidade desses modelos depende diretamente da integridade das informações, e é aí que o blockchain cumpre um papel decisivo.
Para Maier, “ao unificar dados e garantir sua autenticidade, abrimos caminho para uma medicina mais preditiva, personalizada e preventiva”.
Essa tríade tecnológica — blockchain, IA e IoT — redefine o modo como o cuidado é coordenado, combinando automação, análise inteligente e rastreabilidade.
O paciente no centro: autonomia e segurança em tempo real
Nos modelos tradicionais, o paciente é um receptor passivo de informações. Porém, no ecossistema baseado em blockchain, ele se torna o proprietário e curador de seus dados.
A tecnologia permite criar mecanismos de consentimento granular, nos quais o paciente define quem pode acessar determinadas partes do seu prontuário, por quanto tempo e para qual finalidade.
O resultado é uma nova cultura de transparência e autonomia, reforçada por dispositivos vestíveis e aplicativos conectados.
O paciente pode visualizar em tempo real suas medições de saúde, compartilhar relatórios com seu médico e revogar acessos com um simples comando. Assim, o prontuário eletrônico vai se atualizando em tempo real.
A segurança criptográfica garante a integridade desses registros, enquanto a IA transforma dados brutos em insights clínicos que apoiam decisões terapêuticas mais precisas.

Casos práticos e o futuro da saúde conectada
Maier conta que há projetos internacionais que demonstram o potencial do blockchain na saúde. Ele destaca a Medicalchain e a Hashed Health, que desenvolvem soluções baseadas em blockchain para gestão de dados de saúde e prontuários eletrônicos.
Esse tipo de plataforma usa blockchain para armazenar e gerenciar registros de saúde com segurança, dando aos pacientes mais controle sobre seus dados e permitindo o compartilhamento direto com profissionais de saúde.
O ecossistema opera com tokens usados para acesso e transações internas, enquanto a estrutura em blockchain assegura integridade e proteção às informações.
No Brasil, o especialista afirma que as operadoras e os hospitais já começam a testar o uso combinado de blockchain, IA e IoT em redes de telemedicina, monitoramento remoto e gestão de credenciais profissionais.
O objetivo é criar um ecossistema de dados confiável, auditável e centrado no paciente.
Veja alguns exemplos de aplicações práticas no Hospital Edmundo Vasconcellos:
- Centralização de cadastros: o hospital utiliza blockchain para unificar informações de pacientes e evitar duplicidades;
- Check-in e cadastro acelerados: a autenticação via identidade digital reduz o tempo de atendimento e elimina retrabalho;
- Integração com operadoras e plataformas: a parceria com Bradesco Saúde e Orizon automatiza autorizações e diminui erros administrativos;
- Segurança e privacidade ampliadas: o uso da identidade digital em blockchain fortalece a proteção de dados e reduz riscos de fraude;
- Planejamento para interoperabilidade: o hospital visa integrar a solução com outras operadoras, ampliando a troca segura de informações.
O CPQD e o MedSênior também estão usando blockchain, nesse caso, com foco na digitalização da saúde pública. Observe algumas aplicações:
- Prontuário eletrônico com controle do paciente: as soluções usam identidade digital descentralizada para que o paciente escolha quem acessa suas informações;
- Consultas, prescrições e exames com registros seguros: o blockchain garante autenticidade ao longo de todo o ciclo assistencial — da prescrição ao resultado de exames;
- Interoperabilidade entre sistemas: o projeto cria um ecossistema capaz de dialogar com outras operadoras e até com o SUS por meio de padrões abertos;
- Proteção de dados sensíveis: o acesso às informações ocorre apenas mediante consentimento, em conformidade com a LGPD;
- Integração com tecnologias emergentes: o projeto 5G Saúde combina blockchain com 5G, IA e IoT para acelerar a transformação digital na saúde.
Para Maier, “a engenharia da conectividade do blockchain não é apenas uma promessa, mas uma realidade em construção”.
Ele acredita que o futuro da saúde digital depende de uma integração inteligente entre tecnologia, ética e propósito humano — “um legado de cuidado coordenado e eficiente para as próximas gerações”.
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