Falar do Grupo Boticário é praticamente dispensar apresentações. Falamos de um conglomerado da beleza, um dos maiores do mundo, que reúne marcas como O Boticário, Quem Disse Berenice, VULT, Beleza na Web, entre outros.
Para realizar a transformação por meio da beleza, o grupo também passa por constantes mudanças, e se reinventa junto ao varejo, segmento fundamental na economia brasileira.
Para saber sobre como a tecnologia está sendo explorada no grupo e como a transformação digital e o uso da Inteligência Artificial (IA) estão sendo aplicados, o Minutos Corporativos recebe Daniel Knopfholz, vice-presidente de Tecnologia do Grupo Boticário.
Há muitas novidades e tendências que você só vai saber aqui. Acompanhe!
Futurecom: O Grupo Boticário tem o propósito de transformar o mundo da beleza. E para isso várias transformações têm sido feitas, como a digital. Falando sobre o varejo, que tem se reinventado a cada dia, como o Grupo Boticário está estruturado neste setor?
Daniel Knopfholz: “Acho que o grupo é super conhecido, mas vale falar porque quando a gente fala do digital a gente imagina que é só um canal ou uma forma de compra via e-commerce ou aplicativo, mas na verdade o grupo é muito grande, com 4 mil lojas, marcas próprias, marcas de terceiros que a gente distribui, 40 mil pontos de venda em farmácias e perfumarias de todo o Brasil, com milhões de revendedores, então é um grupo muito extenso.
Também temos e-commerce, temos o Beleza na Web, que é um e-commerce de produtos de terceiros que não são nossas marcas, temos aplicativos, a venda direta digital e tradicional, um pouco de tudo. Então quando falamos da transformação digital, eu até brinco que não gosto de usar muito esse termo porque ele significa muita coisa para muita gente, e quando significa muita coisa para muita gente não significa quase nada, porque cada um interpreta de um jeito.
E para nós a transformação digital significa algo bem simples, que é: como fazer com que as melhores experiências aconteçam para nossos clientes sempre, e que elas venham melhorando continuamente, que não sejam uma experiência única e que depois deixem de evoluir e fiquem para trás. Então para nós o digital vem para melhorar o dia a dia dessa pessoa conosco.
Como ela busca informação, como ter mais acesso mais rápido, como ela pesquisa preços, como ela decide se tem produtos adequados ou não, como ela escolhe receber o produto em casa ou buscar na loja ou com uma revendedora, então para nós o digital serve para melhorar a vida das pessoas em função do ser humano, é isso o que a gente busca.”
Futurecom: Como a tecnologia tem sido explorada pelo Grupo Boticário? Pode nos contar um pouco sobre os projetos mais relevantes dos últimos anos?
Daniel Knopfholz: “Claro. A gente costuma ver a tecnologia como aquilo que as pessoas usam e perseguem, um aplicativo no celular, a autoajuda em uma loja, isso tudo nós temos também e vou comentar, mas nossa visão sobre a tecnologia é a de que ela resolve problemas. E às vezes resolver problemas é a pessoa não precisar usar a tecnologia para que ela tenha uma melhor experiência de compra.
Vou dar um exemplo do que fizemos recentemente, no Dia dos Pais. Nós temos nossa base de CRM que é muito grande, vem de muitos anos, e nós a ativamos pro vários meios, redes sociais, mensagens, emails e etc. Mas sabemos que é uma data delicada e com a pandemia ficou ainda mais, muita gente perdeu muita gente querida.
Então precisávamos ter a certeza de que não estávamos ofendendo nem machucando ninguém. E antes de enviarmos os emails para nossa base, nós perguntamos se as pessoas queriam mesmo receber a mensagem.
A tecnologia serve também para você deixar de perturbar alguém de um jeito delicado, porque aí você fala com pessoas no que é relevante para elas. A tecnologia serve para melhorar as experiências mesmo quando a experiência não precisa mais existir porque ela deixou de ser relevante, necessária, ou até se tornou dolorosa para alguém.
Eu estou falando de uma coisa comercial, mas também temos tecnologia para fábrica, onde estamos colocando automatização e robotização nos CDs para fazer entregas mais curtas e chegar em um tempo cada vez menor aos clientes, e também na gestão de processos internos para trazer mais eficiência e colocar nossa equipe trabalhando em coisas mais relevantes e menos mecânicas.
E obviamente várias para os consumidores. Eu dei o exemplo de comunicação mas temos também as experiências online, então recentemente lançamos um catálogo de vendas diretas que chamamos de catálogo digital, em que as revendedoras podem montá-los de acordo com os estoques que elas têm em casa ou que podem vender e adquirir os produtos automaticamente. Então um catálogo personalizado para cada revendedora, e isso só é possível no digital, porque no físico isso seria inviável, caro e não seria sustentável também.
A gente acredita muito no equilíbrio e não na polarização. Tem muita gente que gosta de ter o catálogo na mão, folhear, tem histórias que ouvimos de pessoas que entendem que estar com o catálogo é um momento de relaxar, então é importante para algumas pessoas terem o catálogo físico.
Para outras, elas querem velocidade, os últimos lançamentos, algumas informações que não tenha no físico, então a complementaridade entre o digital e o físico é o que entendemos como valor. E no final é cada pessoa encontrar seu melhor jeito de ser e se relacionar conosco.
Na nossa visão a tecnologia não está aí para fazer mágica. O que queremos é usar a tecnologia a favor da resolução de problemas reais das pessoas porque isso é o que vai fazer com que elas se sintam melhores na nossa experiência. Então é uma ação bem básica, mas a mentalidade digital aqui é de entender como resolver o problema de cada pessoa.”
Futurecom: A pandemia provocou uma readequação em vários segmentos. Como ela atingiu vocês, e quais foram os desafios enfrentados e lições aprendidas pelo grupo?
Daniel Knopfholz: “Há um ano e meio atrás, quando começou, nós tivemos que fechar e parar tudo. Isso não foi uma exclusividade nossa, todo o mundo parou, mas no nosso caso nós tivemos que parar 15 mil colaboradores, foram todos para casa, e fechamos 4 mil lojas e mil centrais de serviços que são espaços das revendedoras, lojas exclusivas para elas. Então foram 5 mil pontos de venda fechados, e óbvio que aquilo foi muito desafiador e muito traumático para todos.
A primeira coisa que aconteceu depois que conseguimos deixar todos trabalhando em casa, foi ter que rapidamente repensar qual era a forma de sustentar esse negócio, já que a gente tem esse grupo de lojas tão relevante, a gente se orgulha e sabemos que é um diferencial competitivo.
A gente já tinha felizmente nos anos anteriores feito bons investimentos em tecnologia e digital, havíamos comprado a Beleza na Web alguns anos antes, estávamos investindo em e-commerce e fazendo grandes mudanças em nosso modo de trabalhar. Então tivemos um preparo de base e em três ou quatro dias decidimos fazer uma aposta profunda financeira de esforços do time para os canais digitais. Resolvemos acelerar várias coisas do nosso e-commerce, por exemplo, tínhamos um e-commerce com terceiros, e resolvemos ter na nossa plataforma. Também aceleramos a contratação de desenvolvedores, eu assumi essa área há dois anos e meio atrás, e quando assumi eram cinco desenvolvedores e o restante era tudo com projetos de terceiros. No começo da pandemia tínhamos 100 desenvolvedores, e agora vamos fechar o ano com 800 a mil desenvolvedores, então resolvemos aprofundar nossas apostas em ter plataformas próprias, pois acreditamos que elas nos trazem velocidade e experiências únicas.
Só dentro do nosso ambiente que teremos coisas que fazemos porque queremos que sejam feitas do nosso jeito. Então na prática decidimos acelerar a integração da nossa plataforma, nosso e-commerce próprio, investimento no catálogo digital, investimento mais forte na venda digital, dados.
Nós fizemos a aquisição de uma empresa de dados recentemente que nos ajuda também com Inteligência Artificial, Internet das Coisas. Também compramos a Casa Magalhães que é uma empresa de sistema de pontos de venda para acelerar nossa plataforma e estarmos mais próximos do varejo, então aceleramos tudo isso e criamos também nossos produtos digitais.”
Futurecom: Durante a pandemia, com alguns serviços fechados como você comentou, vocês lançaram produtos?
Daniel Knopfholz: “Nós lançamos os produtos digitais como comentei, mas também físicos, tradicionais do Boticário, como batom, perfume, produtos para corpo, normalmente. É claro que tivemos uma revisão de portfólio e resolvemos acelerar algumas coisas que tínhamos para o futuro pois achávamos que havia mais chance de sucesso, e também travamos algumas coisas.
Vou dar alguns exemplos: uma coisa que fizemos que foi óbvia e não foi com viés comercial foi de que começamos a produzir álcool gel, que era necessário no mercado, em hospitais, etc. Depois até incorporamos isso em nossa linha, mas primeiro foi por uma questão sanitária. Então produzimos algo que não tínhamos antes.
E também postergamos alguns produtos, mas outros antecipamos, porque houve novas demandas do mercado. E essa rotina de novos lançamentos também foi mais profunda, e a vida continuou, parte do que a gente queria levar para o mundo era que sim, precisamos nos cuidar, mas seguir gerando riquezas e fazendo a vida continuar.”
Futurecom: Como foi solucionada a questão da experimentação de produtos durante a pandemia, com as lojas e pontos de venda fechados?
Daniel Knopfholz: “A experimentação na cosmética é uma das coisas mais importantes para a escolha de produtos, e quando você leva isso para o mundo é um dos maiores desafios, como experimentar um produto.
Na maquiagem já existem soluções, nós temos em nosso portal e aplicativo testes em que você pode ver o resultado e a textura, e a qualidade é muito boa. Hoje você consegue ter uma projeção muito boa em Realidade Virtual e Realidade Aumentada para ver o efeito do produto. Mas mesmo assim falta tocar, cheirar, se você gosta da embalagem, e aí o que fizemos?
Demos mais destaque para essa parte da experimentação, nos aprofundamos nas fotos dos produtos das embalagens para deixar com mais qualidade para o cliente poder ter melhor percepção, mas nada substitui tocar no produto. E aí o que acontece? Tivemos alguns experimentos, como você adquire o produto mas sem o compromisso de compra, então a gente envia e se você não gostar você devolve, então não tem o risco da aquisição no escuro.
Não fizemos isso em escala, mas em experimentos, e também aumentamos nosso investimento em amostragens, e também, como temos uma rede multicanal, mesmo com as lojas fechadas nossas revendedoras conseguiram deixar produtos na casa de alguém, demonstrar.
Então o legal de ter uma presença que não é nem só digital e nem só presencial é que você consegue misturar essas experiências de ponta a ponta. Então tivemos soluções mais radicais de tecnologia, mais criativas de enviar o produto para casa, e também as mais completas que envolvem as experiências em todos os canais.”
Futurecom: Como a transformação digital e o uso da Inteligência Artificial têm sido aplicadas, e como tem sido a resposta dos clientes em relação a elas?
Daniel Knopfholz: “Como eu disse anteriormente, qualquer tecnologia que a gente aplique tem que resolver algo da experiência ou um problema de nossos clientes. Eu não acredito em trazer a IA para ficar criando cenários e ter um ‘Eureka’. Eu acredito que sabendo o que você precisa resolver você usa a IA para acelerar e achar as melhores soluções.
Então quando fomos ao mercado comprar a GAVB que é essa consultoria de dados, eles são especialistas, são duzentos engenheiros que vieram fazer parte de nossa equipe, e tem especialidade em gerar dados e modelos em IA. E onde temos aplicado? Por exemplo, geração de demanda. Já é difícil saber a demanda para todas as lojas, revendedoras, sazonalidade, novos produtos, prever demanda é muito difícil no varejo. Quando vem uma pandemia a demanda perde o histórico, o comportamento muda muito.
E aí a IA é um caso de uso excelente, porque a gente consegue com ajuda de modelos, de computação profunda, isolar fatores que foram específicos, entender a correlação entre um comportamento e outro que antes eram imprevisíveis, mas percebemos questões históricas. E aí em um momento difícil de prever demanda nossa avaliação de erro não piora e até melhora. A gente consegue continuar entregando.
Está comum no mercado hoje faltar produtos, várias lojas tendo escassez de coisas ou sobras de outras, mas temos conseguido entregar tudo o que nossos clientes pedem e nossos estoques não estão aumentando por causa disso. Então é a IA aplicada em um problema importante que melhora a vida do consumidor porque tem o produto que ele quer e nosso resultado porque não precisamos ter tanto no estoque.
Temos também a questão da melhor oferta para você, qual é o melhor produto que eu posso fazer de forma mais profunda, com desconto maior, mas não para todo mundo, pois você quer essa promoção, então canalizamos essa margem para você e a gente vai fidelizar, e isso é feito através de uma segmentação que também é realizada pela IA. Então temos vários casos de uso.”
Futurecom: Quais foram os desafios dessa implementação?
Daniel Knopfholz: “Acho que o lado bom é o resultado de todos os desafios. Nada disso é fácil, tem muitos erros no meio do caminho. Todos os sucessos são decorrentes de uma série de acertos e erros também, e no final você tem uma equação de mais acertos do que erros, mas é um processo contínuo de aprendizado, não é um processo de milagre.
Eu sou muito duro criticando, eu brinco com os professores Pardais que chegam com ideias pré-concebidas e maravilhosas, computadores que fazem tudo sozinhos. Eu não acredito nisso. Acredito que o aprendizado vem de tentativa e erro e de uma experiência de equipe dedicada e com conhecimento do cliente.
Uma equipe que sai de sete pessoas de desenvolvimento para quase mil no total, é uma equipe que tem que fazer uma formação cultural nova, temos que aprender a contratar rápido, quando contratar saber que as pessoas vão chegar jogando, porque estamos acelerando. Temos que manter a equipe que está feliz, então tem um desafio cultural e de contratação enorme em um mercado que está aquecido.
O outro desafio é interno, porque isso tem investimentos muito altos. A empresa tem que entender o que está fazendo, ter clareza, conversas importantes, um bom planejamento financeiro e estratégico, e controle da eficiência dos resultados também é desafiador porque quando você está crescendo você está fazendo e fazendo e é difícil parar pra explicar, mas é importante em uma empresa desse tamanho também.
E tem também os desafios de mercado, outras empresas fazendo coisas interessantes, os clientes mudando de comportamento, mudanças radicais de planos, enfim, todo tipo de desafio. Mas eu diria que o maior desafio foi o cultural.
Nós temos hoje praticamente 75% da equipe em full home office, pessoas que foram contratadas pós-pandemia, e o Boticário também já adotou uma decisão de remote first. Mesmo depois da pandemia não voltaremos todos ao escritório, e vamos ter o foco remoto como prioritário.
Hoje na minha equipe temos gente em praticamente todos os estados, e isso é muito legal. Temos uma boa parcela em Minas Gerais, e não temos escritório lá. O mesmo ocorre no Ceará, Amazonas e Rio Grande do Sul. Então fora do nosso eixo original de São Paulo e Curitiba, temos contratado no Brasil inteiro, então essa foi uma parte boa que veio com esse aprendizado.
A gente conseguiu encontrar aplicações que ajudam a melhorar o trabalho remoto, como o Slack, que melhora muito a comunicação. Então não é só uma questão cultural, precisa de ferramentas também, e a gente investiu muito nisso e estamos bem confortáveis com esse modelo.
E teremos também encontros presenciais algumas vezes ao ano para se reconectar. Essa é nossa escolha, e não só na tecnologia, mas no grupo inteiro. Claro que nas áreas que são possíveis, já que temos loja, fabricação, mas onde for possível iremos priorizar isso.”
Futurecom: Quais são as expectativas do Grupo Boticário em projetos futuros com IoT no varejo?
Daniel Knopfholz: “A gente acredita que com a entrada do 5G e outras tecnologias que estão vindo, algumas dessas frentes serão aceleradas. Mas nossa visão, novamente, tem que vir para fazer uma coisa interessante para o cliente.
Então vou dar um exemplo de loja, que não é IoT ainda, mas que pode evoluir para isso. Nós temos cinco lojas conceito, nossas flagships, e você pode fazer por exemplo um perfume personalizado. Você cria o seu perfume.
Ainda não é IoT porque tem uma máquina que personaliza, mas ainda tem alguém operando a máquina, mas evoluir disso para uma máquina que faça sozinho, a gente tem a tecnologia. Mas a gente ainda acredita que é bom ter o perfumista ali. Então hoje temos ferramentas e testes de conceito que nos permitem evoluir na Internet das Coisas, mas ainda estamos entendendo qual é o valor disso para nossos clientes.”
Futurecom: Falando de tendências tecnológicas e de inovação para o varejo, quais você destacaria para os próximos anos?
Daniel Knopfholz: “Eu acho que o que vai acontecer no mercado é uma maturidade de várias coisas que estão aí. Claro que vai ter inovação, mas eu não acho que vai ser só novidade o tempo todo, mas sim penetração e uso de coisas que hoje são exclusivas de algumas marcas.
Então comprar e não ter que fazer o pagamento na hora, ou pagar pelo aplicativo, ou sair da loja sem pagar e ter o pagamento automático. Acho que vai ser uma revolução. O não uso do dinheiro e uso de produtos financeiros já é escalável no Brasil, mas vai ser levado ao extremo com PIX, com várias fintechs, etc.
A personalização, como os exemplos que dei da perfumaria, de perfumes personalizados, maquiagens personalizadas, você faz a sua. Acho que vai ter uma hiper-personalização também na experiência dos clientes. Acho que as tendências vão se aprofundar e se massificar, essa é a nossa visão.”
Futurecom: Se você pudesse conversar com alguém no âmbito pessoal ou profissional, com quem você falaria?
Daniel Knopfholz: “O profissional quando a gente busca bastante eu acho que a gente vai encontrando as pessoas. Tem uma pessoa que eu admiro muito no profissional e que já consegui falar com o apoio muito grande da Microsoft que foi o próprio Satya Nadella, que é o CEO da Microsoft, ele fez uma conversa incrível com a gente um ano atrás, e foi bem importante para mim ter esse momento.
Mas eu acho que o mais legal é o pessoal, que a pessoa que eu vou falar já não está nem mais aqui. Eu sou formado em jornalismo, não em tecnologia, e meu lado de humanas, meu lado poeta, ainda gosta muito da parte da literatura, da leitura. Então eu buscaria me encontrar com Fernando Pessoa. Essa seria minha escolha. Eu gosto muito da poesia dele, de como é contemporânea até hoje, e eu acho que seria quem eu buscaria para trocar uma ideia.”
Confira mais entrevistas do Minutos Corporativos!