A interação virtual deixou de ser uma exceção “aceitável” para se tornar a forma padrão de trabalho, onde isso é possível. Ainda é cedo para assegurar que se trata de uma tendência irreversível, mas parece certo que o mundo não voltará a ser tão presencial como sempre foi, principalmente depois da pandemia da covid-19. E o Metaverso – conceito de um ambiente virtual completamente imersivo, que integra mundo real e mundo virtual – parece ser um caminho natural para elevar a sensação de presença. Será esse o futuro da tecnologia social? Nunca, antes, se esteve tão habilitado tecnologicamente para isso, pois a banda larga de alta velocidade (wi-fi e 5G) e a inteligência artificial viabilizam muito mais dinamismo e realismo no mundo virtual que nos experimentos anteriores.
É importante destacar que não existirá um Metaverso e sim uma pluralidade deles. Muitas empresas poderão criar seus respectivos metaversos independentes, o que fará surgir, com isso, um Multiverso.
Como isso vai afetar a sociedade? As pessoas se tornarão isoladas, como imaginou Isaac Asimov (“O Sol Desvelado”, 1957)? Saberão separar o mundo real do virtual? Usarão óculos de realidade aumentada onde verão o mundo real, só que transformado digitalmente (por que não entrar num supermercado e ser guiado para os produtos favoritos, que se agigantem na gôndola, facilitando a localização)?
O que parece provável é que, qualquer que seja o caminho, a privacidade se tornará cada vez menor, pois será necessário o uso de informações pessoais para melhorar a experiência de imersão. Temos de torcer para que ocorra com ética.
Engana-se quem pensa que Metaverso é um conceito novo. Ele foi apresentado pela primeira vez e documentado em 1992 no livro de ficção científica “Snow Crash”, de Neal Stephenson, como uma forma de fuga de um mundo distópico. Depois, essa história chegou ao cinema pelas hábeis mãos de Steven Spielberg, em 2018 (“Ready Player One”). Outros livros e filmes também tratam desses mundos virtuais imersivos.
Para integrar essas duas realidades, é necessário empregar tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada, avatares, simulação 3D, óculos 3D, sensores de movimento e atuadores. Espera-se, para breve, que os hologramas se juntem a esse arsenal tecnológico.
As primeiras experimentações práticas surgiram a partir dos games. Em 2003, surgiu o Second Life, que, embora não tenha se tornado um sucesso estrondoso, gerou uma legião de adeptos – o avatar do jogador participa de missões, constrói seu próprio ambiente, interage com o grupo. Outros jogos o seguiram, com destaque para Roblox, Minecraft e Fortnite.
O termo ganhou destaque porque, no final de 2021, a holding do Facebook passou a denominar-se META e definiu como objetivo estratégico da empresa a construção do Metaverso, tido por eles como “o futuro da internet”. Pelo porte e pela abrangência do grupo, pode vir a ser uma profecia autossustentada. De certa forma, a Google tentou isso anos antes com seu Google Glass, mas não conseguiu o sucesso esperado.
Na internet, você entra num site e navega entre as páginas. No Metaverso, seu avatar salta para dentro das páginas e interage com objetos virtuais e com outros avatares. É uma espécie de interação extracorpórea. Você passa a ter uma “vida” no ambiente virtual e, com isso, surgem necessidades e desejos antes impensáveis.
No mundo real, você compra roupas para se vestir e para se embelezar. No mundo real, ninguém precisa de uma bolsa cara para transportar seus objetos. No entanto, gastam-se valores significativos na compra de uma Louis Vuitton. Mas, se o avatar é o seu alter ego, seu “eu” virtual, não faz sentido que ele também tenha uma bolsa de marca, pelo mesmo motivo que no mundo real? Ou um chapéu? Ou um tênis Gucci? Onde está a diferença?
Trata-se ainda de um mundo de experimentação. Nada está escrito em pedra, pois algumas abordagens podem funcionar, e outras podem fracassar. E muitas empresas estão buscando formas de fazer negócios nesse novo mundo que se descortina. Entre os diversos exemplos disponíveis, apontamos o show que a cantora Ariana Grande fez no Fortnite, no qual seu avatar foi assistido por milhares de avatares de fãs, em agosto de 2021. Os jogadores deveriam se logar meia hora antes do começo do evento para conseguir um lugar na plateia virtual. Com os Óculos Quest 2 e o serviço Horizon Home do Facebook já é possível criar festas virtuais e lá encontrar-se com amigos, jogar ou conversar (pelo Messenger).
No segmento corporativo, é possível criar salas de trabalho e personalizá-las com a identidade visual da empresa. No mundo financeiro, já existem Fundos de Investimentos criados para aplicar em empresas de tecnologia nas áreas habilitadoras do Metaverso, e, na Educação, o Minecraft tem um curso de Ensino Médio voltado para o Enem, onde se pode assistir aulas pelo jogo.
Também já existe a venda de objetos virtuais dentro dos jogos – roupas para avatar, terrenos virtuais, NFT (do inglês non-fungible token, que representa algo individual, que não pode ser substituído). Tudo pago por meio de criptomoedas, naturalmente. Nesse segmento, o NFT tem destaque, pois oferece objetos virtuais únicos, não copiáveis, não falsificáveis, com autenticidade comprovada por blockchain.
Quanto vale um objeto de criptoarte e no que ele difere de um quadro de Rembrandt? Quanto vale o skin que o campeão de uma competição de gamers empregou na partida final? Isso é conceitualmente diferente de comprar uma jaqueta de Elvis Presley ou um capacete de Ayrton Senna? Ainda há muita especulação sobre como o Metaverso será usado. Ninguém, realmente, sabe. É um mundo de conjecturas e experimentos, mas, com certeza, ele estará muito presente em nosso futuro.
* Luiz Mariano Julio, engenheiro em Eletrônica, mestre em Política Científica e Tecnológica, diretor da FITec – Fundação para Inovações Tecnológicas – e autor do livro “Fomento à Inovação Tecnológica no Brasil”