A inteligência artificial é um ramo da computação voltada para automação de sistemas. Baseada em algoritmos e dados, surgiu ainda na década de 1950. Sua ideia principal é aprender ao máximo para reproduzir um comportamento o mais próximo possível de um ser humano. Por isso, se relaciona com o conceito de machine learning ou aprendizado de máquina. As máquinas aprendem conforme alimentação e inserção de dados.
Assim, esses modelos e algoritmos aprendem para executar tarefas cognitivas. Podem fazer recomendações e tomar decisões em ambientes reais e virtuais. O assunto é tão importante que a Organização das Nações Unidas (especificamente a UNESCO) reuniu 24 especialistas do mundo todo para elaborar um documento que seria o primeiro código de ética global sobre inteligência artificial (IA).
Tamanha importância já nos dá uma ideia de como esses sistemas podem impactar no Direito. De tarefas repetitivas à tomada de decisões, a tecnologia já invadiu o meio jurídico de diversas maneiras. Neste material, trazemos um panorama geral das aplicações da inteligência artificial no Direito e de seus impactos. Confira!
INTELIGÊNCIA ARTIFICAL NO DIREITO
Os estudos da inteligência artificial no Direito começaram ainda na década de 40, momento em que começaram a discussão sobre jurimetria e mecanização de jurisprudência. Mas foi na década de 70 que a automação do raciocínio jurídico ganhou força.
Desde então, e evolução da IA no campo jurídico foi notória, e hoje já temos os chamados knowledge-based systems ou sistemas baseados em conhecimento jurídico. A IA aparece em diferentes formatos, como na análise preditiva por meio da análise computadorizada de dados ou nos softwares jurídicos que assumem as tarefas rotineiras de um escritório ou departamento jurídico.
Você sabia, por exemplo, que o “Ross”, advogado virtual desenvolvido na Universidade de Toronto (Canadá) baseado em serviços computacionais da IBM, leva somente alguns segundos para apontar dados necessários e relevantes para um caso? Tudo que o profissional precisa fazer é ativar o robô para que ele se conecte ao banco de dados de processos judiciais.
Qualquer que seja sua aplicação, a automação que a IA proporciona gera efeitos diretos e positivos na rotina na advocacia. Vale destacar que, ainda hoje, existe um temor sobre o papel da IA no Direito (e de quaisquer soluções tecnológicas). Seria ela capaz de tomar o lugar dos profissionais?
Sem dúvidas, a IA é capaz de substituir nossas tarefas irrelevantes, repetitivas e burocráticas. Também é possível que substitua nossas análises erradas sobre dados por análises assertivas que beneficiam a tomada de decisões. Mas ela jamais substituirá a origem da advocacia, que é o relacionamento interpessoal.
Por isso, a IA no Direito é uma grande aliada, não uma inimiga. E suas aplicações são diversas.
APLICAÇÕES DE IA NO DIREITO
As aplicações de IA no Direito estão presentes em diversas atividades e carreiras jurídicas, não só na advocacia. Um bom exemplo foi anunciado pelo CNJ, em outubro de 2019. O Conselho desenvolveu projetos de inteligência artificial para tornar o trabalho dos servidores mais eficazes. Uma solução servirá para otimizar o cadastramento de peças e documentos em um processo, enquanto a outra auxiliará magistrados na formulação de sentenças e outras produções textuais de uma ação judicial.
Além disso, o Poder Judiciário pode utilizar soluções baseadas em Big Data para colher e gerir informações quantitativas e qualitativas da atividade jurisdicional. Na prática, a gestão dos dados é automatizada, conferindo mais eficácia à atividade de servidores e membros.
Na advocacia, existem aplicações muito específicas da inteligência artificial, como:
- Plataformas de acordos ou mediação online: existem muitas plataformas e aplicativos para resolução de conflitos judiciais e extrajudiciais que utilizam a inteligência artificial em seus sistemas. Basicamente, são as legaltechs realizando o trabalho de mediação de disputas entre empresas e consumidores por meio de um software, que analisa os interesses envolvidos e propõe um acordo.
- Instrumentos de investigação jurídico-legal e de elaboração de estratégias judiciais: é o exercício da advocacia que projeta estratégias a partir de um conjunto plural de fontes jurídicas nacionais e/ou internacionais. Os exemplos globais são os robôs Ross e Watson, que trabalham na chamada “construção de árvores de decisão” ou “informática jurídica decisória”.
- Smart contracts, instrumentos de elaboração e revisão contratual: a inteligência artificial aplicada aos contratos faz com que os profissionais não tenham mais o trabalho de elaborar e revisar tais documentos, além de permitir a existência de cláusulas auto-aplicáveis (passam a valer automaticamente se determinada condição é atingida).
- Redução de gastos: plataformas de IA (como a Outside Counsel Insights , da IBM WATSON) utiliza padrões para revelar as ineficiências dos escritórios em certas áreas e analisar as situações que demandam mais trabalho por parte dos advogados, propondo melhor remuneração.
- Jurimetria e outros instrumentos preditivos de decisões judiciais: algoritmos inteligentes analisam os padrões de certas decisões, permitindo a sistematização e a análise de jurisprudências e conjuntos de decisões judiciais, o que é transformado em dados estatísticos.
- Automatização de processos repetitivos: a IA assume as tarefas burocráticas e rotineiras da gestão jurídica, principalmente por meio das funcionalidades presentes nos softwares jurídicos;
- Outras aplicações, como redação de documentos jurídicos, instrumentos inteligentes de
- reconhecimento de voz e acompanhamento da tramitação de projetos de lei.
OS IMPACTOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO
A tecnologia avança, e as novidades sobre inteligência artificial ganham terreno no Direito.
De acordo com relatório da consultoria suíça Logol (“Artificial Intelligence in the legal profession”), a IA mudará toda prática jurídica. Os serviços terão uma nova concepção, gestão e execução, uma vez que essa tecnologia suavizará a rotina dos escritórios.
As tarefas cansativas, burocráticas e menos satisfatórias serão assumidas por algoritmos. Elaboração e revisão de contratos por advogados ficarão no passado, por exemplo. Esses profissionais poderão se dedicar às atividades empolgantes e criativas, estratégicas e
precisas para o negócio.
A coleta de informações para tomada de decisões, o preparo de casos, a previsão de resultados de litígios e a automação na gestão de documentos são apenas algumas possibilidades. Listamos, a seguir, os principais impactos da IA no Direito.
ACELERA PROCESSOS NO MEIO JURÍDICO
A inteligência artificial no meio jurídico está transformando a rotina de todos os profissionais. Machine Learning, processamento de linguagem natural e outras soluções invadiram escritórios de advocacia, departamentos jurídicos e o poder público. Um dos seus objetivos é acelerar os processos.
Representantes da IBM apontam que “a tecnologia tem sido uma importante aliada dos advogados nos processos de análises de contratos, gerenciamento de contencioso e outras tarefas que exigiam grande trabalho manual”. Eles citam duas startups que otimizam seus processos com as soluções de inteligência artificial de IBM Watson no Brasil: KOY e Elaw.
A startup Koy – Inteligência Jurídica (Recife/PE) integrou os sistemas judiciais brasileiros espelhando documentos e andamentos processuais com dados em tempo real. A IBM explica o uso da inteligência artificial na startup: “ela utiliza a plataforma de inteligência artificial ‘Norma’, que usa IBM Watson Assistant rodando na nuvem pública da IBM, vem sendo uma grande aliada na gestão de contencioso”.
A plataforma Norma permite também a análise de processos inteiros em segundos, ajudando a gerar insights financeiros que apoiam a tomada de decisão. Como consequência, as empresas conseguem localizar ativos judiciais, antecipar bloqueios judiciais e gerar agendamentos inteligentes de ações que devem ser tomadas. É a gestão 3600.
ESTIMULA TRABALHO ESTRATÉGICO DOS PROFISSIONAIS
Além de acelerar os processos no meio jurídico, a inteligência artificial garante uma atuação mais estratégica dos profissionais.
Em primeiro lugar, suas ferramentas assumem as tarefas operacionais, reduzindo consideravelmente o tempo gasto nelas. Em poucos segundos, as atividades que duravam dias são resolvidas. Isso dá aos profissionais mais tempo para atuar em demandas de alto valor, que agregam mais resultados para os negócios.
Em segundo lugar, as soluções de IA alavancam a capacidade de atuação estratégica das empresas, aumentando seu valor. Muitas ferramentas podem ser customizadas para auxiliar o advogado a realizar o provisionamento de processos de maneira assertiva. No mesmo sentido, permite acelerar levantamentos de garantias processuais. Nos dois casos, as empresas alcançam benefícios financeiros e estratégicos significativos.
Para Dante Araújo, Diretor Jurídico da IBM Brasil, “a incorporação do uso da tecnologia na rotina do profissional do direito é essencial para que ele também consiga lidar com a quantidade exponencial de dados a que está exposto, aumentando sua capacidade de resolver problemas complexos e gerar valor para seus clientes e suas organizações. O emprego adequado da inteligência artificial estimula o potencial humano e tem sido um dos pilares fundamentais da transformação digital que estamos vivendo, e o mundo jurídico também faz parte desta transformação”.
Por outro lado, essa novidade causou um novo impacto no Direito. Há alguns anos, advogados com mais tempo de atuação e experiência se destacavam na tomada de decisões. Hoje, advogados sem experiência conseguem utilizar as soluções de inteligência artificial para “equiparar” o jogo. Principalmente as ferramentas que trabalham com Business Intelligence, pois a interpretação de dados pode fazer com que jovens advogados tomem ótimas decisões.
Na prática, um escritório com somente um advogado especialista e tecnologia de ponta pode competir com outra empresa com muitos advogados especializados que não utilizam tecnologia equivalente.
PROVOCA DISCUSSÃO SOBRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Um outro impacto da inteligência artificial no Direito já entra no campo da doutrina, e não da gestão e operação jurídica. É o caso da discussão acerca da propriedade intelectual. Como podemos encarar a tecnologia assumindo algumas criações?
Quando pensamos no uso de soluções tecnológicas no meio jurídico, sempre as associamos aos benefícios da automação de tarefas. Interação e atendimento ao cliente, tarefas burocráticas atinentes a um processo judicial. Isso é comum em escritórios e departamentos, certo?
Mas uma das vertentes da inteligência artificial é o aprendizado de máquina. E se uma máquina aprende sozinha, de quem são os direitos autorais vinculados às criações dela? Em um primeiro momento, podemos dizer que aquele que manuseia a tecnologia (usuário do software) é o detentor dos direitos autorais da obra concebida com seu auxílio.
Porém, uma obra pode ser criada pela inteligência artificial autônoma, independente da intervenção humana. O computador, a partir de uma base de dados, pode criar uma obra de arte ou uma música. Com seu aprendizado exponencial, ultrapassa instruções e algoritmos originais, se desvinculando do criador do software. Em outras palavras, é possível pensar que o programador não será o detentor da propriedade intelectual dos resultados.
Não existe, na legislação brasileira, uma norma sobre tal situação. Na realidade, sua definição é clara: a pessoa física é o autor de uma obra. Há quem acredite que as obras criadas por inteligência artificial teriam a característica de obras pertencentes ao domínio público. Por outro lado, há especialistas que descartam essa associação, pois seria um desestímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias.
Enquanto o Brasil não possui legislação própria, é preciso buscar solução na legislação comparada. O Copyright, Designs and Patents Act (CDPA), do Reino Unido, defende que o autor é a pessoa que faz os arranjos necessários para a criação da obra em questão. Ou seja, atribui-se a propriedade intelectual à pessoa física que possibilita a criação da obra pelo computador, não à máquina.
Essa pessoa pode não ser o programador, inclusive. O profissional que insere dados ou define diretrizes que resultaram na criação da obra poderia ser o autor. No entanto, essa afirmação tem um limite: a evolução da IA e do machine learning que ultrapassam instruções originais, criam e adotam diretrizes.
Assim, cairíamos no mesmo ciclo anterior, ainda sem resposta. É um ótimo exemplo de que não estamos preparados para todos os impactos da inteligência artificial no Direito.
CONCLUSÃO
O impacto da inteligência artificial no Direito não é novidade. Sua discussão começou ainda na década de 40, mas a Transformação Digital foi responsável por inseri-la no dia a dia de escritórios, departamentos jurídicos e poder público. Suas aplicações são inúmeras e podem abranger desde tarefas simples, como redigir um documento, até a estratégia na tomada de decisões.
Tamanha abrangência traz muitas questões e benefícios. Ao mesmo tempo em que acelera os processos internos dos negócios e estimula o trabalho estratégico, traz novas discussões para a doutrina. É o caso da propriedade intelectual.
Essas novas questões mostram que, na verdade, estamos apenas no começo de uma nova era da IA no Direito. Podemos imaginar o que está por vir?