É aos poucos que os diferentes setores da indústria descobrem aplicações interessantes para o blockchain. Nascida no mercado financeiro e de meios de pagamento, a tecnologia já se destaca por sua atuação em segmentos bastante distintos, como o agronegócio. Agora, ela começa a ser repensada em outro contexto: o blockchain na comercialização de energia elétrica.

Afinal, uma tecnologia tão inovadora e promissora pode ser determinante para o futuro de vários tipos de comércio. Isso acontece especialmente porque o blockchain elimina a necessidade de um intermediário na transação. Porém, como ele pode ser aplicado no contexto da comercialização de energia elétrica? E quais são os desafios que marcam essa implementação?

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Como o blockchain pode ser utilizado no setor de energia elétrica?

Há um longo caminho entre a concepção do blockchain e sua utilização em uma indústria de base tão robusta, como a de energia elétrica? A verdade é que a sua implementação na comercialização é bastante viável.

O blockchain pode ser utilizado justamente para vender energia gerada diretamente da fonte ao consumidor, em um modelo P2P (peer to peer), conforme explica o analista Alex Silva.

Segundo ele, isso dá maior autonomia ao consumidor:

“[O blockchain] permite a descentralização do poder e a validação dos dados de consumo de energia elétrica em uma casa, caso haja desconfiança sobre os valores da fatura emitida por uma concessionária fornecedora”.

Em um contexto onde os consumidores são cada vez mais protagonistas de suas decisões de compra — e, portanto, exigentes —, isso é essencial.

Quais benefícios isso pode trazer?

Dentre os principais benefícios da incorporação do blockchain em um segmento está a redução de custos. Especialmente por conta de ele não necessitar de um agente intermediário na transação.

Pense bem: em um contexto financeiro, os bancos e as instituições financeiras normalmente acabam com certa fatia de cada transação. Apesar de isoladamente parecer uma migalha, o montante total é considerável.

O advogado Leandro Donizete Pinto, que é especializado em direito internacional e sócio fundador do escritório de advocacia Leandro Pinto, destaca ainda um ponto essencial nessa dinâmica: a segurança da tecnologia.

“É praticamente impossível fraudar os seus resultados, uma vez que para o ser humano demandaria anos de tentativas sem que alcançasse algum sucesso. Quanto à sua eficiência, confere um modelo matemático que gera benefício a longo prazo, que não apenas pagará o investimento no sistema, mas também diminuirá a tarifa energética ao final”, diz ele.

Aliás, a transparência favorece a adoção do blockchain no setor de energia elétrica. Para Lisandro Zambenedetti Granville, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professor titular do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esse ponto é essencial

“Mais confiança nas relações entre os envolvidos no sistema energético incentiva uma maior adesão de usuários e uma maior economia, uma vez que tentativas de abusar do sistema são mais fáceis de se detectar. Como os registros não são apagados, a qualquer momento é possível se aferir a justiça e correção das cobranças”.

Quais são os obstáculos e como superá-los?

Porém, é claro que aproveitar tantos benefícios reside na possibilidade de adotar ou não o blockchain. No setor de energia, há algum obstáculo a ser considerado?

Granville destaca que o próprio ato de abraçar uma nova tecnologia é um obstáculo. Para ele, nem sempre essa ação é fácil e rápida: “Como ela também implica em uma mudança cultural, o obstáculo maior é uma adoção da tecnologia livre de disrupções mais drásticas”.

Silva ainda pontua que um dos principais obstáculos está no próprio entendimento das pessoas envolvida: “[Um obstáculo é a] cultura centralizadora, que foca na intermediação de terceiros para a distribuição da energia e a falta de informação sobre a blockchain, que, na maioria das vezes, relacionam ao bitcoin, e não à tecnologia intrínseca da plataforma”.

O especialista indica que uma das soluções poderia ser o investimento das empresas em treinamentos na área de TI, com o objetivo de fortalecer a educação referente a essas questões, como a compreensão do papel do blockchain.

Já existem exemplos desse uso em outros lugares do mundo?

A boa notícia é que, além do Brasil, outros países começam a explorar o uso do blockchain no setor de energia elétrica.

Fernando Lopes, diretor do Instituto Totum, destaca o pioneirismo brasileiro

“O Brasil foi um dos primeiros locais do mundo, com um sistema elétrico de sua magnitude, a usar a tecnologia de blockchain para controlar o processo de geração, emissão e transferência de certificados de energia renovável. Existem alguns outros países, mas com abrangência bem menor, mais caracterizados como projetos pilotos, diferentemente daqui, onde 100% dos RECs estão registrados em blockchain”.

Já Pinto destaca países como Emirados Árabes Unidos e Rússia, que adotaram a tecnologia na sua comercialização de energia, bem como em outras etapas da geração elétrica.

Ele completa: “A China utiliza, em fase teste, o modelo matemático blockchain para medição das turbinas da hidrelétrica Três Gargantas, que é tão grandiosa quanto Itaipu”.

A inserção do blockchain na geração de energia elétrica parece uma questão de tempo. Com ele, vem uma modernização que talvez marque uma transformação do setor — melhorando de vez a entrega e reformulando a relação entre consumidores e geradores.

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