A transformação digital está redefinindo os padrões de conectividade global, e os provedores de internet (ISPs) desempenham um papel fundamental nessa mudança. O aumento exponencial do tráfego de dados, a massificação de dispositivos conectados, o crescimento da internet das coisas (IoT) e a popularização da inteligência artificial (IA) estão impondo novas demandas à infraestrutura de telecomunicações.
No Futurecom Connect, plataforma de conteúdo estratégico da Futurecom, três especialistas de renome compartilharam suas visões sobre como os ISPs podem se posicionar de forma competitiva diante desse cenário: Leonardo Furtado, engenheiro de redes e professor; Sérgio Cardoso, engenheiro e diretor de operações da Arsitec; e Ivan Ianelli, engenheiro e presidente da ABEPREST.
O debate, mediado por Marcio Montagnani, abordou tecnologias emergentes, modelos de negócios inovadores, cibersegurança e práticas de gestão capazes de preparar as empresas para a próxima geração de conectividade.
1. O papel dos ISPs na nova economia da conectividade
O Brasil é um país continental, com desafios geográficos e logísticos significativos para a expansão da conectividade. Os ISPs regionais se consolidaram como protagonistas na inclusão digital, atendendo áreas que grandes operadoras não conseguem alcançar com eficiência.
Sérgio Cardoso observa que a pandemia acelerou a presença da fibra óptica no país, mas que o próximo passo exige reinvenção. “O ISP vai ter que se reinventar, pois o processamento descentralizado no cloud computing oferece uma vantagem significativa ao trazer o processamento mais próximo do usuário, reduzindo a latência“, explica.
O avanço de serviços como jogos em nuvem, inteligência artificial generativa e aplicações críticas na saúde e no varejo exigem redes capazes de oferecer baixa latência, alta disponibilidade e escalabilidade.
2. Profissionalização e redesenho da engenharia
Segundo Leonardo Furtado, a evolução das engenharias de rede nos ISPs ao longo dos últimos 15 anos foi expressiva, mas ainda há muito espaço para amadurecimento técnico. “Essas empresas, da maneira como operavam há 15 anos para os dias atuais, passaram por uma mudança absurda em termos de profissionalização das suas engenharias.“
Ele alerta que muitas redes ainda apresentam topologias físicas e lógicas mal definidas, o que compromete o desempenho e dificulta a adoção de novas arquiteturas como o edge computing e o segment routing v6. Para superar essas limitações, Furtado recomenda adotar o mindset de engenharia das grandes cloud providers, adaptando-o à realidade e escala dos ISPs regionais.
3. Edge computing e descentralização como imperativos estratégicos
O edge computing, processamento de dados próximo ao usuário final não é apenas uma tendência tecnológica, mas um imperativo estratégico para reduzir latência e melhorar a experiência do cliente.
Leonardo ressalta que essa mudança exige uma “ruptura” nos modelos tradicionais. “A descentralização das topologias é uma ruptura necessária para viabilizar o Edge Computing, que é o componente mais estratégico da rede moderna”, afirma o especialista.
Essa abordagem demanda capilarização do core IP e das CDNs, além da implementação de arquiteturas como deep cache e bring home, otimizando a entrega de conteúdo e reduzindo gargalos no tráfego de dados.

4. Escalabilidade: crescer com consistência
Ivan Ianelli enfatiza que escalabilidade não é apenas um conceito técnico, mas um pilar estratégico que precisa estar presente desde o planejamento inicial: “Você pode projetar uma rede para atender um número específico de assinantes, mas quando o ecossistema muda, é preciso reconfigurar o backbone para suportar essa transformação.”
Escalar significa aumentar capacidade sem reformular toda a arquitetura, o que implica conhecimento profundo da infraestrutura, dimensionamento preciso de recursos e investimento em soluções que prolonguem a vida útil do projeto original.
5. Qualidade percebida: o provedor “invisível”
Sérgio Cardoso sintetiza o conceito de qualidade no setor de forma simples: o melhor provedor é aquele que se torna invisível ao cliente, ou seja, quando o serviço funciona de forma tão consistente que não é lembrado negativamente.
Essa percepção exige equilíbrio entre velocidade e disponibilidade. Conexões rápidas mas instáveis geram insatisfação, assim como redes estáveis, porém lentas. Para aplicações críticas como telemedicina, educação à distância e automação industrial, a combinação desses dois fatores é vital.
6. Inteligência artificial e automação na gestão de redes
A inteligência artificial já começa a redefinir a operação de redes em larga escala. Nas grandes corporações e provedores globais, soluções como AIOps permitem prever demanda, identificar falhas antes que ocorram e executar correções automáticas.
Leonardo explica: “O AIOps ajuda na previsão de tráfego de rede, algo vital para empresas com data centers massivos, onde a escalabilidade precisa ser precisa para evitar custos altos.“
Para os ISPs regionais, isso significa oportunidades de incorporar assistentes de engenharia, classificação inteligente de tráfego e previsão de QoE para melhorar a eficiência operacional e reduzir custos.
7. SDN e NFV: flexibilidade e novos modelos de serviço
As redes definidas por software (SDN) e a virtualização de funções de rede (NFV) são tecnologias que permitem ajustar a infraestrutura em tempo real, acelerar a entrega de serviços e aumentar a flexibilidade operacional.
Embora sua adoção ainda seja limitada no Brasil devido a custos e falta de mão de obra qualificada, Sérgio Cardoso destaca que o movimento é inevitável. “O SDN e o NFV são tecnologias que permitem adaptar a rede de maneira mais rápida e econômica, oferecendo flexibilidade e escalabilidade para atender à crescente demanda por novos serviços.“
8. IPv6: ampliando possibilidades
O IPv6 é mais que uma atualização técnica, é uma ferramenta estratégica para aumentar a escalabilidade, reduzir custos e viabilizar novos serviços.
Leonardo reforça que o maior erro foi adiar sua adoção: “Os problemas enfrentados pelos ISPs hoje não são sobre colocar o IPv6 para rodar, mas sobre não tê-lo implementado antes.” O protocolo elimina a dependência do NAT, melhora a compatibilidade com aplicações modernas e suporta uma quantidade quase ilimitada de dispositivos conectados, fundamental para IoT e smart cities.
9. Cibersegurança como vantagem competitiva
A segurança da informação não é apenas um requisito, mas uma oportunidade para criar diferenciais de mercado. ISPs podem oferecer serviços de proteção contra ataques cibernéticos, malware e phishing, tanto para clientes corporativos quanto residenciais.
Leonardo recomenda adoção de frameworks robustos como Zero Trust e NIST CSF, além de ferramentas como RPKI, IRR e ASPA para proteger o plano de controle da rede.
10. O futuro: automação declarativa e integração de times
Leonardo projeta que o próximo salto de eficiência virá da automação declarativa, combinada com telemetria em tempo real e integração entre equipes de redes, operações e desenvolvimento. “A automação declarativa é um desafio muito mais humano do que orçamentário. APIs abertas e muito software, esse é o caminho para a transformação digital nas redes“, finaliza.
Siga o Futurecom nas redes sociais e assine a News para ficar por dentro de todas as notícias dos setores de Tecnologia, Telecom, TI e Internet.
Tags