A segunda sessão do dia de abertura do Futurecom Digital Summit foi dedicada ao segmento Future Jud. Para a fala de abertura sobre o tema “Tecnologia a serviço da Justiça”, a convidada foi a ministra Maria Cristina Peduzzi, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que abordou o tema com sua privilegiada visão e experiência.
“Vivemos hoje uma crise sanitária que se tornou uma crise econômica com reflexo na sociedade, e há uma mudança de paradgimas no século XXI, e estamos vivendo esse momento. E eu pergunto: o que é um paradigma? É a forma de ver o mundo”, iniciou a magistrada.
E prosseguiu: “Para encontrar a resposta, recorremos aos estudos do físico, teórico, filósofo e expoente do pensamento que é Thomas Khun, que diz que devemos buscar provas indiretas e comportamentais de que cientistas veem o novo paradigma de maneira diferente do que antes. Isso mostrará que aquilo é incomensurável com o mundo que habitávamos anteriormente. O novo paradigma são novas lentes para enxergamos o mundo de uma forma que antes não era percebida.”
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O mundo jurídico pós-pandemia
Para a ministra, o desafio enfrentado com a pandemia do coronavírus também mudou nossas concepções de mundo, assim como a representação do setor judiciário junto à sociedade:
“Os nossos heróis hoje são os médicos que salvam vidas, e os nossos super-heróis são os cientistas nos laboratórios. E essa mudança de paradigma também atinge o poder judiciário. E qual é o papel do judiciário em meio à crise sanitária e econômica? Eu digo que é um poder essencial, pois um poder forte e competente capaz de garantir a manutenção do estado de direito, a estabilidade social e a segurança jurídica revela sua importância institucional. E a Justiça do Trabalho, assim como todo o judiciário, tem cumprido seu papel solucionar conflitos”, analisou Maria Cristina.
“A mediação pré-processual é exercida hoje pelos magistrados do trabalho por meio de uma mera requisição pelo site do Ministério do Trabalho, e o percentuam tem sido expressivo. As partes podem, com o auxílio especializado e supervisão do juiz, resolver seu conflito. E como estamos promovendo e solucionando essas questões hoje? Por meio das sessões virtuais e tele-presenciais, como esta palestra e evento de hoje”, completou a magistrada.
“O futuro está em nossas mãos. Vamos trabalho para reconstruí-lo”, encerrou ela.
Justiça 4.0 e suas inovações
Após a fala da ministra Maria Cristina, o Futurecom Digital Summit deu lugar então ao painel com o tema “Justiça 4.0 – A Importância da Adoção de Tecnologias na continuidade da Prestação Jurisdicional”. Mediado por Ademir Piccoli, sócio-diretor da Piccoli Consultoria, o debate iniciou-se com observações muito pertinentes de Fabio Correa Xavier, diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
O representante do juizado paulista iniciou abordando três aspectos vitais do avanço da tecnologia: a transmissão, o processamento e a armazenação.
“Sem esses três fundamentos principais, a tecnologia não seria capaz de entregar essa Transformação Digital que existe hoje. E o mais importante: a Transformação Digital ocorre com grande redução de custo ao consumidor final e aos órgãos”, observou.
Novas tecnologias a favor dos tribunais
Fabio aproveitou para citar como se deu a adoção das novas tecnologias no ambiente do Tribunal de Contas de São Paulo.
“No gap entre a tecnologia e o que as empresas oferecerem é que surgem as startups. No Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, como essa Transformação Digital, a gente concentrou isso em alguns pilares, como a digitalização dos serviços tanto para o público interno quanto externo, buscando dar mais agilidade aos servidores e para a sociedade geral”, explicou.
E prosseguiu: “Disponibilização de serviços e informações de maneira mais fácil, rápida e clara, com confiabilidade e integridade, permitindo a utilização de novas tecnologiasem campo. Então hoje nossos agentes conseguem trabalhar com o tablet com um app que consegue coletar informações in loco e enviá-las em tempo real para o nosso data center no Tribunal de Contas”.
Para o diretor, o receio que parte da população ainda tinha com aspectos tecnológicos precisou ser vencido durante o momento que enfrentamos, o que deverá impactar nas relações jurídicas e sociais daqui em diante.
“Hoje as pessoas estão vendo que a tecnologia é um aliado forte para a execução de suas tarefas. Então essa visão presencial, de que o funcionário deve estar lá para entregar o trabalho, parece que irá cair bastante por terra pois temos visto nesse período que muitas pessoas têm trabalhado até mais do que se estivesse pessoalmente dentro do tribunal”, refletiu.
Desembargador aponta necessidade de inclusão digital
Também convidado do painel, o desembargador Francisco Luciano Lima Rodrigues, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, fez coro às observações de Fabio, expondo suas experiências na comarca jurídica do estado do Nordeste brasileiro.
“O judiciário historicamente é muito fechado, e esse é um aspecto que tem avançado muito. Mas ainda existe uma certa resistência para as novas mudanças. Também há um aspecto que é o fato de não termos ainda o acesso ideal à Justiça. Temos ainda uma necessidade de rever a forma como se dá a prestação judicional. E como isso pode ser mais efetivo a partir do uso da tecnologia? E dentro disso temos o uso de aspectos como a Inteligência Artifical, entre outros”, apontou Francisco.
O desembargador prosseguiu sobre suas experiências pessoais: “Com relação ao TJ do Ceará, nós passamos desde 2010 por uma automação, do papel para o eletrônico. Em princípio houveram algumas dificuldades, algumas delas por aspectos culturais. Interessante notar que as pessoas achavam que o processo eletrônico era apenas digitalizar e colocar na tela, então nossa primeira tarefa foi mostrar que não era só isso, que envolvia também a forma de se tratar o processo.”
“O processo eletrônico trouxe de benefícios o aspecto da transparência, assim como mais tempo e redução do custo com mão de obra”, concluiu o desembargador, citando que os avanços em comarcas cearenses que aderiram à digitalização atingiram o dobro de eficiência.
Uso de Inteligência Artifical (IA) para fins judiciais
Para o desembargador, entretanto, ainda existem outros aspectos do avanço tecnológico no setor jurídico que devem ser levados em conta para uma otimização ainda maior nos próximos anos.
“Me parece que temos um novo desafio, que é o de avançar da automação para o uso da IA. Nós digitalizamos tudo, temos os processos eletrônicos, mas agora existem outras questões. Como vamos incluir como instrumento de melhoria de prestação judicial a IA? Esse pra mim é um dos pontos mais interessantes dessa nossa discussão, pois envolve um aspecto importante, que é uma certa resistência que existia também no início do processo eletrônico”, disse.
Para o desembargador, outro ponto vital para que as novas tecnologias sejam aplicadas de maneira heterogênea e eficiente no país é a inclusão digital, especialmente em regiões que apresentam grandes desigualdades na distribuição de renda da população.
“Eu tenho refletido muito e conversado com os colegas por videoconferência, e há uma preocupação em relação à explosão digital. E as pessoas que não têm acesso aos meios digitais para falar com os desembargadores, juízes e assistir as sessões do tribunal? Claro que isso não é motivo para que isso não seja incorporado, mas acredito que a questão de uma inclusão digital não pode ficar longe das nossas preocupações”, observou.
“Eu creio que estaremos adaptados à essa realidade, que essa mudança não tem retorno, mas especialmente em um estado como o Ceará, onde existe uma exclusão muito grande, como ficam as pessoas que não têm acesso à computador, pacote de dados e etc? Eu acho que essa questão não impede a adesão de novas tecnologias, mas ela também não pode ser esquecida”, completou.
Mudanças que a tecnologia pode trazer para o judiciário
No papo que se seguiu, Fabio e Francisco também falaram sobre as mudanças práticas que as novas tecnologias podem trazer aos tribuinais.
“Acho que as máquinas vão diminuir o tempo dos trâmites e que as pessoas terão que se requalificar, já que as máquinas cuidarão de atividades repetidas. Temos, por exemplo, casos de processos que são muito parecidos, mas ainda assim, isso precisaria passar pelo juiz. Nisso a Inteligência Artificial poderia ajudar, e esse será um grande trunfo e também um desafio que a IA irá trazer para os tribunais do Brasil”, apontou Fabio.
Francisco concordou, reafirmando a importância que a visão humana seguirá tendo neste e outros processos da sociedade: “As pessoas devem ser sempre a preocupação final, por isso, não acredito na substituições de juízes por máquinas, mas sim que as máquinas possam auxiliar as pessoas a exercerem suas tarefas.”
“Eu creio muito na Tecnologia da Informação para que o judiciário possa atingir sua missão que é a resolução judicional de forma célere”, encerrou o desembargador.
Você pode conferir como foi o primeiro dia do Futurecom Digital Summit em: https://videos.netshow.me/informa. Inscreva-se no evento para acompanhar as palestras dos outros dias desta imperdível realização da Futurecom.