Para começar, gostaria de definir soluções de inteligência artificial na área de saúde: “são aquelas que permitem automatizar e/ou agregar valor ao processo de cuidados de um paciente, seja um processo de saúde realmente (registro eletrônico de dados, prescrição de ordens, identificação de mudanças nas condições de saúde, alertas para evitar eventos adversos etc.), ou processos de relacionamento entre o paciente e a organização de saúde (agendamento de procedimentos e exames, cobrança de serviços, acesso a portais de  informações etc.)”. Essas soluções podem ser materializadas desde simples processos automatizados por robôs, até soluções mais sofisticadas de compreensão de dados não estruturados tais como imagem, voz, escrita e uma consequente tomada de decisão com base nesses dados. 

Estas soluções têm o potencial de melhorar muito a operação de um setor ainda jovem no uso da tecnologia da informação, estas oportunidades aparecem em soluções que visam reduzir os riscos aos pacientes, melhorar as tomadas de decisões dos profissionais de saúde, otimizar as alocações de recursos, aumentar a rentabilidade, agilizar a prestação de serviços entre outros. 

Se fizermos uma busca por artigos científicos que reportam o benefício do uso dessas soluções no setor de saúde, iremos encontrar vários com resultados positivos, porém não iremos encontrar muitas organizações que conseguiram sair do domínio da pesquisa e implementar essas soluções em seus processos reais. A resposta é simples, ao longo de uma pesquisa científica, os resultados podem ser conseguidos com massas de dados relativamente pequenas, amostras que podem ser ajustadas e controladas dentro do escopo do estudo, mas soluções que irão executar em processos reais exigem a disponibilidade de dados de todos os pacientes para poderem gerar informação e, apesar de existir muito dado no setor de saúde, esse dado normalmente não está organizado e disponível da maneira adequada para essas soluções produzirem resultados significativos que justifiquem o investimento. 

Segundo Edward Shortliffe, um dos pioneiros no uso de TI na área de saúde, “os profissionais que tentaram codificar sistemas de suporte à decisão, baseados na literatura disponível no setor de saúde, puderam confirmar a complexidade de traduzir este conhecimento para os casos de uso prático. Isto acontece devido à alta complexidade para descrever com exatidão quais dados são relevantes e qual a relação entre eles. A construção de soluções de suporte à decisão clínica envolve o uso de técnicas de modelagem e/ou prototipagem que permitam entender corretamente a relação entre causa e efeito de variáveis, definindo uma estratégia correta de solução do problema, validando as hipóteses contra casos reais e assegurando que haja uma interface de uso adequada que possa ser facilmente aceita pelos profissionais envolvidos no processo de trabalho”.  

Parece simples, mas a verdade é que não existem muitos profissionais com esse conhecimento e montar equipes com conhecimentos diversificados suficientes para complementar esse perfil não é uma tarefa simples do ponto de vista de gestão, cultura e método de trabalho. Profissionais de TI e Saúde são diferentes, pensam diferente e aqueles que conseguem navegar nos dois lados são o que chamamos hoje de “moscas brancas”, ainda não existe formação específica para isso, logo não existem muitos desses profissionais no mundo e no Brasil eles são uma raridade. Em geral, grande parte dos projetos de TI em saúde falham, geram atrasos, custam muito mais do que o originalmente orçado e não atendem as expectativas iniciais dos usuários. Vamos a um exemplo para deixar mais claro. 

Imagine que uma organização de saúde deseja otimizar a alocação de seu centro cirúrgico, ela pode decidir usar soluções baseadas em algoritmos estatísticos para reservar o horário das salas cirúrgicas e até avançar com o uso de machine learning para reagendar tudo de maneira ótima quando algo inesperado acontecer exigindo mais horas em um procedimento. Soluções desse tipo são até simples de serem construídas, mas quando entramos nos detalhes iremos nos deparar com a necessidade de saber o que impacta o tempo de uma cirurgia.  

Existem vários fatores, como por exemplo, o tipo de procedimento, a experiência do cirurgião e sua equipe, a condição do paciente, a disponibilidade de todo material e instrumentos na sala de cirurgia, o tempo de higienizar a sala entre um procedimento e outro etc. Há uma série de variáveis que são interrelacionadas e quando avançamos para executar o projeto podemos descobrir que nem todas são mapeadas, que os relacionamentos entre elas não foram definidos e mesmo se tudo estiver definido, os dados podem não estar disponíveis no formato e na posição/momento necessário.  

A verdade é que se isso tudo não for pensado desde o início, os projetos atrasam, as equipes alocadas custam mais do que o estimado, e o resultado pode não reproduzir a experiência real, assim as soluções são abandonadas e os investimentos perdidos. 

*Ricardo Santoro é consultor de tecnologia para o mercado de saúde, é formado em Matemática e possui mestrado em Gestão de Tecnologia em Saúde pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp, onde desenvolveu um trabalho de pesquisa sobre Sistemas de Suporte à Decisão. Foi diretor de TI do Qsaúde, Hospital Albert Einstein, Claro e Telefônica, entre outras empresas.