Gêmeos (ou representantes) digitais são programas de computador que espelham algo físico, representando-os no ambiente virtual (de serviços) para uma diversidade de propósitos. Via representantes ou réplicas digitais, é possível se programar as existências físicas espelhadas. Ou seja, através de um programa de computador, as necessidades do mundo virtual se refletem no físico. Nesse caso, as configurações do físico atendem as necessidades dos contratos que os serviços (programas representantes) estabelecem mediante políticas dos seus donos. Para pessoas, os gêmeos digitais podem representar a biologia, implantes, vestíveis e interagir diretamente com os assistentes virtuais. Podem espelhar o estado da biologia dos nossos corpos e dos dispositivos que usamos na forma de um programa de computador. Difícil de entender? Vamos ver um outro exemplo no contexto de uma smart home.

Imagine que você tenha uma cafeteira inteligente na sua casa. O gêmeo digital dessa cafeteira a representa no mundo virtual. Para alterar configurações da cafeteira (a forma como ela funciona) o meu assistente virtual pode enviar comandos via uma rede de telecomunicações para o gêmeo digital da cafeteira. Assim, ela se prepara para fazer o meu café da forma que eu prefiro. Agora, imagine uma visita. O meu assistente virtual pode autorizar um contrato temporário com o assistente virtual da visita, autorizando-o a utilizar todas as benfeitorias da casa. Nesse caso, o assistente da visita pode agora falar com o gêmeo digital da cafeteira, para que este prepare um café com as preferências desta. Até a capsula de café pode ser escolhida conforme o representante da visita. O gêmeo digital da cafeteira a representa no ecossistema de serviços e contém o último estado conhecido da mesma.

Até aí temos um ambiente inteligente que ajusta os representantes das pessoas, conforme políticas e preferências aprendidas. Agora adicionemos as tecnologias de realidade virtual e aumentada. Os gêmeos digitais podem refletir o estado do físico em realidade virtual. Nesse caso, o gêmeo digital da cafeteira (que pode rodar em um servidor na residência das pessoas ou em um data center regional) a representa na realidade virtual da residência. O estado da cafeteira, suas capacidades (tempo de preparação e outros parâmetros ajustáveis), capsulas disponíveis, etc. são disponibilizados fielmente pelo gêmeo digital ao representante da residência, que alimenta o ambiente 3D de realidade virtual. A realidade aumentada pode ser usada para ilustrar no físico o que acontece na cafeteira. Por exemplo, outras pessoas na cozinha pode ver através dos seus dispositivos de realidade aumentada que a cafeteira está fazendo um café para a visita. O gêmeo digital pode inclusive mostrar isso em algum painel na própria cafeteira, até mesmo dispensando dispositivos de realidade aumentada.

Serviços controladores do físico podem ser criados para configurar roupas, dispositivos vestíveis e até mesmo implantes em seres humanos. A ciência do estado de nossos corpos é obtida via contrato com gêmeos digitais de roupas, vestíveis e implantes. A partir da ciência do estado externo (do ambiente) e interno (de si próprio) para detalhamento das propriedades autonômicas de sistemas de nossos corpos os assistentes pessoais podem nos ajudar a defini-los por software. Por exemplo, as roupas podem ser reprogramadas para manifestar políticas das pessoas, suas opiniões, preferências de acordo com ambientes, clima, etc. Vestíveis como relógios, pulseiras, etc. podem também ser reprogramados conforme preferências e contratos entre serviços. Na economia criativa, gêmeos digitais podem vender acesso a vestíveis e roupas visando campanhas publicitárias ou até mesmo para refletir a sintonia entre pessoas em eventos. Por fim, temos os implantes. A reprogramação de implantes pode ser feita levando em conta o estado do corpo, roupas, vestíveis, ambiente, clima, etc. via assistente considerando políticas de saúde implantadas por médicos da família, hospitais, com autenticação e autorização das pessoas. A melhor configuração dos implantes será feita por máquinas que levam em conta todas informações possíveis, incluindo ordens médicas, tratamentos, dietas, estado do ambiente, clima, etc.

Em telecomunicações, alguns fornecedores começaram a desenvolver gêmeos digitais de equipamentos que compõem a infraestrutura de comunicações móveis 4G/5G. Dessa forma, os recursos físicos são representados por programas de computador que reproduzem fielmente seus estados e alojamento no mundo físico, inclusive com distâncias precisas entre os mesmos obtidas através de fotogrametria. A utilização de realidade virtual permite que os operadores humanos enxerguem como a rede está estabelecida, incluindo quais recursos físicos são usado por quem no mundo virtual. Essa estratégia é excelente para valorar o intangível. Hoje, boa parte do valor das infraestruturas está nos serviços que elas prestam. A parte visível é apenas a ponta do iceberg. A integração dos gêmeos digitais à realidade virtual permite observar claramente como o físico é compartilhado pelo virtual e também o contrário, quem suporta o virtual e onde, quais as distâncias? O advento dos operadores virtuais, que não são donos de infraestrutura física, mas as contratam dinamicamente através do seu fatiamento, requer a visualização da infraestrutura virtual alocada. A relação com a realidade aumentada traz a possibilidade de visualizar o virtual que ocupa o físico quando da visita a um determinado site da infraestrutura. Ou seja, usando algum dispositivo de realidade aumentada será possível ver no mundo físico como e por quem equipamentos estão sendo utilizados no virtual.

Em última instância, poderemos ter representantes de seres vivos da natureza, que os defendam em caso de ameaças, tais como intervenções ilegais ou catástrofes naturais. Fazendas inteligentes poderão ter gêmeos digitais para plantas, animais, etc. Assim sendo, as políticas definidas pelos agricultores para suas fazendas (isso envolve ética, estratégias, sustentabilidade e negócio) serão refletidas por controladores e gerentes em gêmeos digitais, configurando dispositivos para que o ecossistema inteiro seja equilibrado. Leis sistêmicas poderão ser aplicadas para guiar esse equilíbrio, como por exemplo implantando políticas que visem o equilíbrio entre o dar e o receber, ordem e inclusão.

* Antonio Marcos Alberti é colunista da Futurecom Digital, engenheiro, professor, coordenador do Information and Communications Technologies (ICT) Laboratory do Inatel e programador C/C++. É doutor em Eletrônica e Telecomunicações pela Unicamp e pós-doutor pelo Electronics and Telecommunications Research Institute (ETRI) da Coréia do Sul. Autor de mais de 100 artigos científicos. Já ministrou mais de 60 palestras sobre tecnologia e suas disrupções, incluindo HackTown, Futurecom, Exponential Conference, QCon, TEDxInatel, Pint of Science, Ciência no Boteco, etc. Colunista do Olhar Digital, EngenhariaÉ e Futurecom. Pai da arquitetura NovaGenesis. Contribuiu para documento de requisitos para Internet do Futuro na Coréia do Sul e nas discussões iniciais do Plano Nacional de M2M/IoT. Hacker de tendências e consultor.