Sempre fui fascinada pela matemática e muito nova já tinha entendido que precisaria me aventurar em um mundo onde seria a minoria. Entrei na faculdade em 1987 – engenharia elétrica -que vitória! Numa turma de 180 alunos, éramos 4 mulheres. Lembro-me que durante boa parte do curso tive aula num prédio que dispunha de um único toilete para mulheres – entenda-se um mesmo – uma única porta e um vaso. Não é difídil imaginar que tive que recorrer ao prédio de outras engenharias várias vezes para me resolver. Enfim, um dos menores problemas.

Já nos últimos anos da faculdade consegui estágio numa multinacional alemã: que alegria! Lembro-me que não foram raras as vezes em que atendi um telefonema de alguém buscando informações técnicas de nossos produtos e ao me colocar à disposição para tirar a dúvida, meu interlocutor avisava que gostaria de falar com uma pessoa técnica – tantas vezes tive que explicar que eu não era a secretária, mas sim aquela pessoa técnica que eles estava procurando. Bola pra frente!

Em outra ocasião, estávamos num grupo de engenheiros, voltando de uma reunião com cliente e paramos para almoçar. Qual não foi minha surpresa quando o garçom entregou para todo os meus colegas um cardápio da casa e para mim, um cardápio menor, como pratos para mulheres. Fiquei indignada. Naturalmente escolhi algo do cardápio normal, mas a voltar para casa resolvi escrever uma carta ao estabelecimento mostrando toda a minha indignação. Lembro-me que mostrei à minha mãe antes de enviar e que ela elogiou o texto, mas me avisou que possivelmente minha mensagem não seria entendida… Mais uma vez era hora de seguir.

Meu primeiro chefe era um homem adiantado no tempo. Além de contratar uma das primeiras mulheres engenheiras da empresa, não raras vezes permitiu que eu pagasse a conta (em nome da empresa, naturalmente) quando estávamos numa refeição a trabalho com outros engenheiros – ela sabia como eu me sentia importante nesses momentos!

Lembro-me também de uma vez que a empresa decidiu alegrar o ambiente do escritório com plantas. Compraram várias deles e as levaram para no nosso departamento, onde cada setor tinha que escolher algumas e alocar em seu espaço. Meus colegas, querendo se livrar da tarefa, disseram que eu é quem deveria escolher as plantas, pois isso era coisa de mulher. Fiquei um pouco incomodada, mas achei que não valia a pena gastar verbo com isso. Escolhi as plantas, voltei ao setor e anunciei: Vamos lá rapazes. O trabalho feminino intelectual de escolher as plantas eu já fiz. Agora precisamos da força braçal masculina para trazê-las até aqui.

O tempo foi passando e fui conquistando degraus. Sem ilusões, num ambiente esmagadoramente masculino não podemos competir de igual para igual com os homens: ou nos dedicamos três vezes mais e mostramos muito mais valor ou passamos despercebidas. Após alguns anos fui convidada para trabalhar no exterior e como estava prestes a me casar, resolvemos casar e encarar a oportunidade. Não foram poucas as vezes que me perguntaram como meu marido havia topado largar o emprego e me acompanhar. Cheguei até a ouvir de colegas de que se fosse com eles não teriam aceitado. Mas enfim, creio que escolhi o cara certo que ousou fazer o que poucos fariam:  abdicar momentaneamente de sua carreira para que eu desenvolvesse a minha.

Com meu marido desempregado em favor de meu intercâmbio, senti na pele o que é uma discriminação institucionalizada. Na empresa onde trabalhava tínhamos o benefício do plano de saúde para todos os funcionários, sendo que, adicionalmente e exclusivamente aos homens, era permitido adicionar o cônjuge como dependente, o que porém, era vetado às mulheres. No começo fiquei constrangida com esta atitude. Depois, resolvi questionar a Diretoria (o que os surpreendeu – como não havia diretoras mulheres, muitos Diretores nem sabiam dessa discriminação. Lá se foram vários anos até que uma lei foi assinada e todas as empresas foram obrigadas a equalizar o benefício. Mais um não que virou sim! 

Alguns anos após voltarmos ao Brasil, decidimos ter um filho e, para evitar constrangimentos, ainda avisei a empresa deste meu plano particular– sabendo que uma reorganização estava por vir e poderia ser cotada para alguma função de liderança. Disse para estarem bem à vontade e não me promoverem se isso os incomodasse. Mesmo assim fui promovida e alguns meses depois engravidei. Foi aí que muita coisa mudou: eu já não era mais o perfil desejado, não era mais tão inteligente e perspicaz. Questionei a mudança de tratamento, mas não havia resposta convincente. O fato é que há uma grande distância entre achar algo certo e viver conforme essa crença. Mais uma vez, engoli e segui em frente.

Levei oito ano para ter um mínimo aumento de salário após minha primeira gravidez. Desistir nunca foi uma opção. Engoli os “nãos” e fui em frente.

O tempo foi passando e as empresas foram se modernizando. Hoje vejo com muita alegria que as mulheres conquistaram mais espaço, que podem dizer mais abertamente o que sentem e exigir o mesmo respeito que dedicam aos homens. Hoje em dia temos mais consciência e somos orientados em Compliance. Tivesse eu essa maturidade e consciência quando estava grávida, com certeza não teria permitido que alguém com poder hierárquico maior me forçasse a estar numa mesma sala de reunião em que ele fumava, embora já fosse proibido o fumo em local fechado naquela época. Graças a Deus já passou essa época em que as corporações toleravam que alguns se considerassem acima da lei pelo seu status e poder.

Hoje em dia, ao menos na empresa em que trabalho, digo com muito orgulho que já se foi o tempo dos chefes ”sabe com quem você está falando?”. Líder atual sabe que liderar pela agressividade verbal não funciona. Hoje estamos no tempo de “Quem você pensa que é?”. Os chefes não têm mais sala separada, telefone diferenciado na mesa cheio de teclas, secretária particular, etc… Hoje em dia, temos que ser hands on, colocar a mão na massa, continuar produzindo e trabalhando em equipes multidisciplinares e remotas. Os líderes convencem, não mandam. A tecnologia que tanto me fascinou e me tornou engenheira, agora transformava o mundo de uma forma sem precedentes: hoje já não é possível imaginar a vida sem a internet, sem os serviços de entrega, sem a facilidades de um smart phone. Home-office dribla o trânsito, o corona vírus, as inundações…. Quem me dera ter home office quando tive meus bebês… Outras épocas….

Enfim, neste mês em que se comemora a luta das mulheres por equidade de oportunidades, divido com vocês alguns episódios da vida de uma engenheira, apaixonada pela sua profissão, muito orgulhosa pelo caminho trilhado e esperançosa que as novas gerações possam se aproveitar das melhores condições atuais e seguir em frente, criando novas soluções e contribuindo ativamente no mundo da tecnologia.