Os povos originários da região amazônica possuem conhecimentos ancestrais sobre técnicas de manejo e têm uma compreensão profunda da diversidade genética da flora local. Essa riqueza de conhecimento despertou o interesse gdos pesquisadores do Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da Universidade de São Paulo (Usp).

Eles decidiram criar uma base de dados que reúne essas informações e aplicar os princípios da indústria 4.0 no desenvolvimento de biofábricas com tecnologias de ponta e renováveis – elevando a renda dos povos ribeirinhos e quilombolas. Como resultado desse esforço, surgiram os “Laboratórios Criativos da Amazônia”, um conceito que permite a adoção de práticas da “Amazônia 4.0” e representa uma abordagem inovadora que foi apresentada na arena “Aplicações Industriais” pela Dra.Tereza Cristina Carvalho durante o Futurecom 2023.

Laboratórios criativos de cacau

O processo de produção de chocolate começa na colheita de cacau. O fruto é partido e debulhado antes de passar por um processo de fermentação, neste também ocorre a extração de mel de cacau – que já era muito consumido no Pará e na Bahia. 

Em seguida, a amêndoa é extraída e torrada, para ser transformada em nibs de cacau. Com uma agroindústria e produção em larga escala, utilizando tecnologias de conservação, os agricultores podem comercializar esses dois produtos, para todo o Brasil e exterior.

Antes do produto final, o chocolate, o nibs é moído e transformado em uma massa, que passa por uma temperagem para ser transformada em cacau em pó e barra – o chocolate. 

Todo esse processo já é realizado com maestria por lavradores do Pará e da Bahia – os dois principais players na produção de cacau em todo o País. Mas as tecnologias e aparatos utilizados neste processo geralmente são rudimentares e podem ser otimizados para que toda a colheita de cacau seja aproveitada, não só a amêndoa. 

Isso foi possível quando os pesquisadores da Usp se uniram aos agricultores, pensando num processo de produção mais sustentável e lucrativo. 

“Se eu destruo a floresta, destruo a minha fonte de renda”, essa é a lógica que une o Lassu às comunidades de agricultores da amazônia, segundo a pesquisadora que coordena o laboratório há quatro anos, Dra. Tereza Cristina Carvalho. 

Para ela, os produtos da biodiversidade da Amazônia podem ser explorados criando produtos de valor agregado para que a comunidade que trabalha sobre esses frutos tenha ganhos financeiros e, por consequência, criem interesse por proteger uma floresta, já que essa é quem fornece um cacau de alto valor. “Quando eu garanto que o meu cacau saiu da amazônia e foi produzido com responsabilidade e sustentabilidade ele se torna também mais lucrativo – hoje o mercado precisa comprovar que tem compromisso com a sociedade”, explica a pesquisadora. 

Rastreabilidade

Os Laboratórios Criativos da Amazônia foram desenvolvidos para otimizar a cadeia produtiva, usando a tecnologia em favor dos agricultores. O Lassu identificou que algumas dificuldades para que um controle de qualidade pudesse ser adotado na produção de chocolate e, por isso, a maioria dos agricultores não conseguia desenvolver uma agroindústria e ficavam restritos à produção de cacau. 

Para produzir derivados de cacau com valor agregado era preciso, primeiro, ter um fornecimento de eletricidade seguro e sem quedas, como é comum em áreas rurais. Obedecendo a premissa do laboratório, os pesquisadores optaram pela instalação de uma usina solar no laboratório. A partir daí, o sistema IOT foi desenvolvido, com sensores para monitorar a qualidade da água, temperatura dos fornos e variáveis capazes de interferir na qualidade da produção. A cadeia é toda automatizada e a conexão dos sistemas é via 5G.

Toda a operação de produção de chocolate é registrada por blockchain. Por isso é possível saber por onde esse cacau passou e garantir, assim, a rastreabilidade do chocolate. “Quando eu falo estou vendendo um chocolate que foi integralmente produzido na Amazônia eu tenho valor agregado”, defende Carvalho.

Sustentabilidade

O Lassu montou um protótipo dos Laboratórios que está circulando entre quatro comunidades do Pará, todas já trabalhavam com cacau. “O resultado esperado é geração de renda local, aproveitamento de todos os resíduos, a utilização de energia limpa, garantia de rastreabilidade e o uso de tecnologias digitais de ponta para incrementar a cadeia produtiva”, explica a pesquisadora, que ainda ressaltou a importância de que todos os envolvidos ganhem financeiramente com o desenvolvimento do laboratório. 

A ideia é fazer a distribuição equitativa de ganhos pela produção nas biofábricas – que foram desenvolvidas com o formato inspirado em ocas, para a melhor distribuição da temperatura, o que é imprescindível para a produção de chocolate de qualidade. 

“Também estamos seguindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Onu e os princípios da economia circular, incentivando o lixo zero e a utilização de tudo o que se está sendo produzido”, se orgulha a coordenadora do projeto. Em relação às biofábricas a expectativa é que em dois anos as quatro estejam instaladas nas comunidades – assim que o protótipo for aprovado. 

O público reuniu interessados por assuntos que envolvam sustentabilidade e Indústria 4.0, além de estudantes e ex-alunos da Usp, é o caso do especialista em tecnologia Lucas Wang, que conheceu a coordenadora do projeto ainda na Universidade. “Falar sobre sustentabilidade é um caminho sem volta, dependemos da tecnologia para avançar nesse tema”, assume Wang. “Precisamos da tecnologia para conseguir escalar essas demandas, não temos como lutar contra as demandas mundiais – e a sustentabilidade é uma delas”, continua.