Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 expõem como a ausência dos requisitos técnicos para a interoperabilidade em infraestruturas públicas digitais cria lacunas críticas de inteligência.

A falta de integração entre bases estaduais e federais impede o combate eficiente ao crime organizado, custando vidas e recursos preciosos para a sociedade.

Por isso, confira um guia técnico com protocolos, padrões de segurança e modelos de arquitetura necessários para construir uma Infraestrutura Pública Digital (IPD) capaz de conectar polícias, bombeiros e defesa civil em tempo real.

Padrões de interoperabilidade e protocolos fundamentais para IPDs

Estabelecer uma linguagem comum é o alicerce de qualquer ecossistema digital governamental. Sem a definição prévia de regras de troca de mensagens, os sistemas operam em silos, impedindo a comunicação entre órgãos de segurança.

No contexto da segurança, a interoperabilidade entre tecnologias de conectividade é vital para a consciência situacional. Ela garante que o vídeo de uma câmera de monitoramento municipal possa ser acessado instantaneamente por uma viatura da polícia estadual, reduzindo drasticamente o tempo de resposta a incidentes críticos.

Tecnicamente, padrões de interoperabilidade são especificações e normas que asseguram que sistemas heterogêneos, desenvolvidos em diferentes linguagens e momentos, possam trocar dados e interpretar essas informações de maneira unívoca.

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Protocolos de comunicação: síncronos (REST) vs. assíncronos (Mensageria)

Para consultas que exigem resposta imediata, como a verificação de antecedentes criminais ou placas de veículos em uma blitz, o uso de arquitetura RESTful sobre HTTP/2 ou gRPC é o padrão da indústria. Esses protocolos síncronos garantem baixa latência e alta compatibilidade com aplicações móveis utilizadas em campo.

Por outro lado, para o tráfego de grandes volumes de dados não bloqueantes, como alertas de sensores IoT ou notificações de ocorrências entre agências, a comunicação assíncrona é mandatória. O uso de Message Brokers garante que o sistema emissor não precise esperar a confirmação do receptor, aumentando a resiliência da arquitetura.

Formatos e padrões de dados públicos (JSON/XML)

A adoção de formatos abertos e leves, como JSON (JavaScript Object Notation), é essencial para reduzir o overhead na transmissão de dados em redes móveis, comuns em operações táticas.

O XML ainda possui relevância em sistemas legados, mas a tendência para novas implementações em IPDs é o JSON devido à sua facilidade de parsing.

Mais importante que o formato é a definição de schemas rigorosos. Um Boletim de Ocorrência deve possuir a mesma estrutura de dados (campos, tipos e obrigatoriedade) em todos os sistemas integrados.

O uso de JSON Schema para validação garante que os padrões de dados públicos sejam respeitados antes mesmo de a informação ser processada.

APIs abertas e o catálogo centralizado de serviços governamentais

O design de APIs deve seguir especificações claras, como a OpenAPI (antigo Swagger), para facilitar a integração por terceiros autorizados. O versionamento semântico das APIs é um requisito crítico para evitar que atualizações em um sistema quebrem a conectividade com outros órgãos.

Para orquestrar essas conexões, é indispensável um Catálogo Centralizado de Serviços. Inspirado em modelos como a e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), esse repositório permite que desenvolvedores e gestores descubram quais serviços estão disponíveis, seus endpoints e documentação técnica, eliminando a redundância de esforços.

A imagem mostra um oficial de polícia (ou segurança pública) em serviço, interagindo com um dispositivo digital próximo a um veículo.

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Qual a importância da segurança digital interoperável em IPDs?

Na segurança pública, a integridade e o sigilo da informação não são negociáveis. A segurança digital interoperável deve ser implementada sob o conceito de Security by Design, garantindo proteção em todas as camadas da infraestrutura.

Autenticação única (SSO) com OAuth 2.0 e OpenID Connect

A implementação de Single Sign-On (SSO), integrada a plataformas como o Gov.br, permite que um agente acesse múltiplos sistemas, desde bancos de dados criminais até redes de videomonitoramento, com uma credencial forte e unificada. Isso reduz a fadiga de senhas e centraliza a gestão de acessos.

Tecnicamente, o protocolo OAuth 2.0 deve ser utilizado para a autorização (o que o sistema pode fazer), enquanto o OpenID Connect (OIDC) cuida da camada de autenticação (quem é o usuário). Essa separação é crucial para garantir a escalabilidade e a segurança das integrações em ambientes federados.

Criptografia mandatória (TLS) e assinaturas digitais (ICP-Brasil)

O tráfego de dados sensíveis exige criptografia de ponta a ponta. O uso de TLS 1.3 (Transport Layer Security) é um requisito mandatório para dados em trânsito, mitigando ataques de Man-in-the-Middle. Para dados em repouso (data at rest), a criptografia em nível de banco de dados e disco é essencial.

Além disso, a validade jurídica das transações entre agências depende de assinaturas digitais. A utilização de certificados no padrão ICP-Brasil garante o não-repúdio, assegurando que um documento ou ordem enviada por um comando não possa ter sua autoria negada posteriormente.

Controle de acesso fino (RBAC e ABAC)

A autenticação é apenas o primeiro passo; a autorização granular é onde reside a segurança operacional. O modelo RBAC (Role-Based Access Control) é útil para definir perfis gerais (ex: “Delegado”, “Perito”), mas muitas vezes é insuficiente para cenários dinâmicos.

Para IPDs avançadas, recomenda-se o ABAC (Attribute-Based Access Control). Este modelo considera atributos contextuais: um agente pode ter permissão para ver dados de uma ocorrência apenas se estiver em seu horário de serviço, dentro de sua jurisdição geográfica e utilizando um dispositivo corporativo gerenciado.

A imagem retrata uma cena em uma sala de monitoramento, investigação ou centro de comando, envolvendo três profissionais que analisam informações em telas de computador e monitores.

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Como funciona o gerenciamento de identidades e catálogo de serviços?

Para que a interoperabilidade ocorra sem falhas, os sistemas precisam identificar inequivocamente os atores envolvidos. A gestão de identidade é o perímetro de segurança moderno.

A Implementação da identidade digital única para agentes e cidadãos

Os requisitos técnicos para a interoperabilidade em infraestruturas públicas digitais exigem um Identificador Pessoal Único. Este ID atua como “chave primária” universal, vinculando o CPF do cidadão ou a matrícula do servidor através de todos os bancos de dados federados, evitando duplicidades e erros de registro.

Os processos de ciclo de vida da identidade (provisionamento e desprovisionamento) devem ser automatizados. Quando um agente é exonerado ou transferido, o acesso deve ser revogado imediatamente em todos os sistemas conectados, prevenindo vazamentos de informações por credenciais órfãs.

O Catálogo de serviços como repositório técnico

Um catálogo de serviços robusto não é apenas uma lista administrativa, mas um componente técnico vivo. Ele deve conter os endereços dos API Gateways, as políticas de throttling (limite de requisições) e os Acordos de Nível de Serviço (SLA) esperados para cada endpoint.

Além da documentação técnica, esse repositório desempenha um papel crucial na governança e no service discovery.

Ele atua como a “fonte da verdade” para todas as integrações, permitindo que as equipes de desenvolvimento visualizem dependências entre sistemas e evitem duplicidade de esforços, acelerando a implementação de novas soluções de segurança integradas.

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Resiliência, monitoramento e governança técnica como requisitos para IPDs

Sistemas de missão crítica, como os de despacho de viaturas e coordenação de desastres, exigem alta disponibilidade. Falhas técnicas na infraestrutura digital podem resultar em perda de vidas, tornando a resiliência um requisito funcional.

Rastreabilidade e logs estruturados

A auditoria em sistemas distribuídos exige a centralização de logs. O uso de stacks de observabilidade (como ELK ou Prometheus) permite agregar logs estruturados que detalham o “quem, quando, onde e o quê” de cada transação, facilitando a detecção de anomalias e abusos.

Para cenários de microsserviços, o distributed tracing (rastreamento distribuído) é obrigatório. Ele permite acompanhar o ciclo de vida de uma única requisição, como uma consulta de placa, enquanto ela atravessa dezenas de serviços diferentes, identificando gargalos de performance instantaneamente.

Gestão de mudanças e versionamento de APIs

A evolução tecnológica não pode paralisar a operação. Estratégias de versionamento de APIs (ex: manter v1 e v2 ativas simultaneamente) são cruciais para garantir a retrocompatibilidade (backward compatibility), permitindo que sistemas legados continuem operando enquanto novas funcionalidades são implantadas.

Para mitigar riscos operacionais e garantir a governança do ciclo de vida das aplicações, é necessário adotar:

Prática Descrição
Políticas de descontinuação (Deprecation Policy) Definição de prazos claros (sunset periods) e canais de comunicação para alertar os consumidores da API sobre a necessidade de migração antes da desativação de versões antigas.
Versionamento Semântico (SemVer) Uso de convenções numéricas padronizadas (ex: MAJOR.MINOR.PATCH) que sinalizam inequivocamente aos desenvolvedores se uma atualização traz apenas correções de segurança ou alterações que exigem refatoração do código (breaking changes).

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Como a arquitetura de dados no governo e a conectividade suportam essa interoperabilidade?

A infraestrutura física e lógica sustenta todas as camadas de aplicação. A modernização da arquitetura de dados no governo é o habilitador técnico que permite a escala e a velocidade exigidas pela segurança pública.

Microsserviços para desacoplar sistemas legados de segurança

Muitos órgãos ainda operam monolitos antigos e difíceis de manter. A arquitetura de microsserviços permite “estrangular” esses sistemas legados (padrão Strangler Fig), extraindo funcionalidades específicas e expondo-as via APIs modernas, sem a necessidade de reescrever todo o código de uma só vez.

Essa abordagem modular aumenta significativamente a resiliência da infraestrutura.

Falhas em um microsserviço específico, como o módulo de consulta de placas, são isoladas e não comprometem a disponibilidade de todo o ecossistema, garantindo que operações críticas de despacho e comunicação continuem funcionais mesmo durante incidentes parciais.

Mensageria (Kafka/RabbitMQ) para comunicação assíncrona em larga escala

O volume de dados gerado por cidades inteligentes é massivo. O uso de plataformas de streaming de eventos, como Apache Kafka, permite processar e distribuir esses dados em tempo real para múltiplos consumidores analíticos sem degradar a performance dos sistemas operacionais.

Além de suportar altos volumes de tráfego (throughput), essa arquitetura garante a persistência e a entrega confiável de mensagens.

Mesmo que um sistema de análise esteja temporariamente indisponível, os dados permanecem retidos na fila (buffer), assegurando que nenhuma evidência digital ou alerta crítico seja perdido durante a transmissão entre agências.

Conectividade, latência e políticas de DPI no Brasil

A eficácia da IPD depende da rede subjacente. Redes de missão crítica exigem baixa latência e priorização de tráfego.

Neste aspecto, as políticas de DPI no Brasil (Deep Packet Inspection) desempenham um papel técnico vital na gestão de tráfego.

Em uma rede pública compartilhada, técnicas de DPI permitem identificar e priorizar pacotes de dados críticos de segurança (como vídeo de uma operação policial) em detrimento de tráfego administrativo comum, garantindo QoS (Quality of Service) em momentos de crise.

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Os requisitos técnicos para a interoperabilidade em Infraestruturas Públicas Digitais como diferencial

Construir um ecossistema de segurança integrado exige o cumprimento rigoroso de protocolos, padrões de segurança e arquiteturas resilientes. Os requisitos técnicos para a interoperabilidade em infraestruturas públicas digitais abordados aqui formam o checklist essencial para gestores que buscam eficiência e inteligência na gestão pública.

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