O Brasil está construindo um novo alicerce para a transformação digital: a Nuvem de Governo, iniciativa conduzida pelo Serpro e pelo Dataprev que consolida a Infraestrutura Nacional de Dados (IND).
O projeto representa um marco na busca por soberania digital, com a proposta de garantir que informações estratégicas do Estado e dos cidadãos brasileiros sejam armazenadas, processadas e protegidas sob jurisdição nacional.
Trata-se de uma política pública voltada à autonomia, à segurança cibernética e à proteção da privacidade, como aponta João Paulo Tavares, CEO da Fitto Solutions, que falou com o Futurecom Digital sobre o assunto. Acompanhe a seguir!
Soberania digital: o controle sobre os dados nacionais
“Soberania digital, na prática, é o Brasil ter domínio sobre os seus dados e suas infraestruturas críticas”, explica Tavares.
Para ele, o tema se tornou prioridade porque “os dados viraram um ativo de poder e podem influenciar economia, segurança, políticas públicas e até relações internacionais”.
Na visão do especialista, se o Brasil não controlar os seus próprios dados, perde autonomia e fica vulnerável, principalmente nas relações internacionais.
A criação da Nuvem de Governo, portanto, é um passo estratégico. Ela garante que o poder público tenha infraestrutura própria, independente de contratos com grandes fornecedores globais, e que possa gerir suas informações com segurança, transparência e escala.
Organização e padronização do Estado digital
Segundo Tavares, o principal objetivo da Nuvem de Governo é “organizar a casa”. Isso significa unificar a infraestrutura tecnológica, padronizar integrações entre órgãos públicos e fortalecer a segurança e a eficiência dos serviços digitais.
“Em vez de cada órgão montar a sua própria solução, a Nuvem de Governo cria uma base comum, com mais controle, mais padrão e mais escala”, afirma o executivo.
Essa base comum permitirá que mais de 250 órgãos públicos federais operem dentro de um mesmo ecossistema tecnológico — seguro, interoperável e sob controle estatal.
Fortalecimento da infraestrutura nacional de dados
A Nuvem de Governo é também o pilar técnico da Infraestrutura Nacional de Dados (IND), responsável por conectar, integrar e padronizar o uso de informações públicas.
“Ela cria um padrão único e governado para o Estado trabalhar, evita a fragmentação e reduz dependências tecnológicas. Com isso, o Brasil pode evoluir com consistência, usando dados de forma integrada”, explica Tavares.
Essa unificação é essencial para que políticas públicas sejam desenvolvidas com base em evidências, evitando redundâncias, gargalos e insegurança na gestão da informação.
Interoperabilidade e segurança como diretrizes de Estado
Para que a interoperabilidade entre órgãos seja realidade, Tavares defende que “segurança e integração não podem depender da boa vontade de cada órgão. Têm que ter diretrizes do Estado, seguidas por todos e monitoradas de forma ativa”.
Segundo ele, o modelo prevê APIs padronizadas, identidade digital unificada, auditoria constante e protocolos obrigatórios de interoperabilidade, garantindo que a comunicação entre sistemas ocorra dentro de um ecossistema seguro e auditável.
O resultado esperado é uma administração pública mais eficiente, capaz de responder rapidamente às demandas do cidadão e reduzir vulnerabilidades cibernéticas. Tudo isso independentemente de partido ou grupo político que esteja no poder.
Parcerias tecnológicas com controle estatal
Embora o foco seja a soberania digital, a Nuvem de Governo também conta com a colaboração de grandes players internacionais de tecnologia, como AWS, Huawei, Oracle e Google, que terão suas soluções hospedadas em data centers públicos.
“O critério é simples: o parceiro traz tecnologia, mas o controle fica com o Estado”, afirma Tavares.
Conforme o especialista, nesse modelo de parceria, os dados são hospedados sob jurisdição brasileira, com chaves de criptografia nas mãos do governo e compliance rígido. Em outras palavras, as parcerias devem ocorrer, mas a governança deve ficar dentro de casa.
Além disso, o modelo híbrido busca o equilíbrio entre inovação e controle estatal. Tavares explica que o setor privado acelera e traz inovação. O Estado, por sua vez, coordena, audita e controla o acesso ao dado.
“É possível aproveitar o melhor da tecnologia global sem abrir mão da soberania, desde que o modelo de governança seja firme e transparente”, completa o representante da Fitto Solutions.
LGPD e a confiança no Estado digital
Nenhuma transformação digital é possível sem confiança — e, nesse contexto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) cumpre papel essencial.
“A LGPD é o que garante confiança. Ela coloca regras, define responsabilidade e protege o cidadão. A Nuvem de Governo precisa nascer aderente à LGPD e às normas de segurança, porque não existe Estado digital sem transparência e responsabilidade no uso dos dados”, afirma Tavares.
Com essa base legal, a Nuvem de Governo se torna também um instrumento de conformidade. Ela garante que todas as operações de tratamento e compartilhamento de dados ocorram dentro de padrões éticos e técnicos.
Combate a fraudes e modernização da gestão pública digital
Ao centralizar e conectar dados de diferentes órgãos, o governo passa a “enxergar o todo”, nas palavras de Tavares. O executivo ainda acredita que “isso reduz fraudes, evita desperdícios, agiliza processos e permite decisões baseadas em evidência, não em suposição”.
Além disso, a Nuvem de Governo acelera a transformação digital e melhora a experiência do cidadão, que é o ponto principal da estratégia.
A interoperabilidade entre bases públicas permitirá, por exemplo, identificar inconsistências cadastrais, cruzar informações em tempo real e monitorar políticas públicas de forma integrada. O resultado é uma administração pública mais eficiente, moderna e orientada por dados.

Estados e municípios: o desafio da adesão
Embora o projeto tenha nascido no âmbito federal, a adesão de estados e municípios é parte fundamental para a consolidação da IND. A participação, porém, é voluntária — o que impõe desafios.
“O principal desafio é a diferença de maturidade tecnológica”, observa Tavares. Ele destaca que nem todos os estados e municípios têm equipe, orçamento ou infraestrutura para a adoção da Nuvem.
Por isso, o caminho é adoção em fases, com apoio técnico, oferta de serviços padronizados e incentivo à adesão.
Esse modelo escalonado visa ampliar o alcance da Nuvem de Governo de forma sustentável, garantindo que municípios menores possam usufruir da estrutura e dos serviços disponíveis, mesmo com recursos limitados.
Brasil como referência em soberania digital
O projeto também tem uma dimensão geopolítica. “O Brasil pode ser referência na América Latina”, avalia Tavares.
Nas palavras do CEO: “Temos escala, experiência e estrutura regulatória. Se houver continuidade do projeto e execução consistente, sem perda de foco político, o país tem tudo para liderar o tema na região e se tornar referência em soberania digital e infraestrutura pública.”
Essa perspectiva reforça a importância da continuidade institucional e da governança estável, garantindo que a Nuvem de Governo se consolide como infraestrutura de Estado, e não de governo, perene e estratégica.
Um novo paradigma para o serviço público brasileiro
Com a Nuvem de Governo, o Brasil avança para um modelo de gestão pública digital centrada em interoperabilidade, proteção de dados e eficiência operacional.
A cloud pública estatal, gerida por Serpro e Dataprev, representa um salto na capacidade do país de proteger informações críticas, modernizar o atendimento ao cidadão e construir políticas públicas baseadas em dados confiáveis.