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A inteligência artificial invade o dicionário

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Por Philipe Moura é Chief Regulatory Officer da Associação Brasileira de Inteligência Artificia (ABRIA).

A inteligência artificial entrou no dicionário em 2023.

Uma alucinação ocorre quando aparentamos ver, ouvir, ou, de modo geral, sentir algo ou alguém que não existe ou não está presente; é um efeito que normalmente ocorre por questões de saúde ou como efeito colateral de tratamentos médicos. Já uma inteligência artificial também pode alucinar ao menos em inglês; o dicionário Cambridge apontou “alucinar” como palavra do ano.

No sentido tecnológico, agora formalmente acrescentado à definição do termo “alucinar”, uma IA alucina quando preenche lacunas de informação com dados ‘inventados’. O termo é aplicável porque, afinal, a IA pode chegar a conclusões que não têm base na realidade objetiva. Mesmo não ficando doentes, já é bem sabido que máquinas podem contrair vírus – que então corrompem aplicativos. Uma alucinação de IA, por sua vez, corrompe o seu resultado; com isso, podem ocorrer situações como a de um juiz federal no Acre que publicou uma decisão contendo trechos inteiros formulados por IA que “citavam informações inexistentes e incorretas”.[1]

A importância de a “palavra do ano” de Cambridge ser um termo técnico da IA não é mínima. A “palavra do ano” funciona, na prática, como uma cápsula do tempo, encapsulando as particularidades do zeitgeist, ou espírito de uma época – por exemplo, tivemos “quarentena” em 2020 e “perseverança” em 2021. Diferentemente de outros dicionários que também publicam, até há mais tempo, a “palavra do ano”, o dicionário britânico alega que seleciona a palavra do ano baseado em dados de busca. Outros termos de IA também entraram no dicionário este ano: LLM (modelo de linguagem amplo), GenAI (IA generativa) e GPT ("Transformador Pré-treinado Generativo").

Pouco conhecida fora dos círculos de tecnologia antes de novembro de 2022 – quando tivemos o lançamento do ChatGPT –, a IA, que já estava silenciosamente presente na vida de muita gente, parece (mas só parece) ter surgido do nada; mas é fato que ela entrou nas nossas rotinas de forma mais evidente e se integrou a diversas partes do nosso dia.

A IA também entrou no rol de medos de muita gente.

Há alguns meses, um grupo de especialistas pediu que parassem as pesquisas sobre IA citando “riscos para a sociedade”.[2]  Muitos ficaram assustados – e não era para menos, já que a carta aberta era assinada por mentes como Steve Wozniak, co-fundador da Apple, e Rachel Bronson, que preside a instituição responsável por cuidar do Relógio do Juízo Final.[3] Dei minhas impressões sobre esse documento em um artigo anterior.[4]

Musk, um dos signatários da carta, havia, logo antes dessa publicação, incorporado a xAI[5] – empresa de IA do seu conglomerado. O mesmo Musk, que também foi um dos investidores da OpenAI (criadora do ChatGPT) e se retirou do conselho da empresa em 2018, está agora captando 1 bilhão de dólares para a xAI.[6]

De novembro de 2022 até hoje, vimos startups na área de IA generativa que nasceram, reinventaram-se e já morreram. Muitas dessas foram severamente impactadas pelo anúncio que a OpenAI fez das novas habilidades do ChatGPT, incluindo a capacidade de as organizações usarem a tecnologia para rapidamente e a baixo custo criar seus próprios chatbots. Outras startups estão surfando essa onda, inclusive no Brasil, e criando modelos de linguagem para usos de caso específico, mostrando que mesmo o mais badalado dos modelos de LLM não consegue capturar todos os casos de uso, ou, ao menos, fazê-lo com maestria.

Não vou terminar o texto dizendo que a “IA” entra onde ela quiser – não desejo, enfim, suscitar no leitor mais medos com relação ao futuro da IA, nem sugerir que ela vai se tornar uma superinteligência maligna como vista no “Exterminador do Futuro”.

Mas, de fato, a IA entrar no dicionário é mais um sinal dos nossos tempos: é um gesto simbólico que nos convida a explorar a fronteira da interação entre a expressão humana e a transformação provocada pela tecnologia, e, em última instância, por modelos matemáticos. A IA vai certamente acelerar a transformação da linguagem e deixar cada vez menos clara a linha que separa a escrita humana da “escrita de máquina”.

Não consigo prever qual será a próxima parada no trem da IA; mas, aos que ainda estão nos trilhos, aos brados de protestos, humildemente sugiro: preparem-se para o impacto.

 

[6] https://www.reuters.com/technology/elon-musks-xai-files-raise-up-1-bln-equity-offering-2023-12-05/

* Philipe Moura é Chief Regulatory Officer da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há mais de 12 anos, Philipe atua em temas de políticas públicas e regulação de tecnologia e inovação em mercados emergentes na América Latina, Ásia, Oriente Médio e África. Conselheiro e consultor, Philipe é mestre pela Universidade da Califórnia, ScrumMaster e Product Owner.

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