Nos últimos meses, tive a oportunidade de conversar com dezenas de executivos e decisores que estão à frente das principais transformações no setor de telecomunicações no Brasil. São lideranças que carregam tanto o peso da operação diária quanto a responsabilidade de enxergar o futuro.
Dessas trocas surgiram percepções importantes sobre onde estamos e para onde podemos caminhar. A seguir, compartilho os pontos que mais se repetiram nessas conversas e que considero fundamentais para pensar o setor com visão estratégica e de longo prazo.
1. Consolidação inteligente
A onda de consolidação que o mercado atravessa não é novidade, mas a lógica mudou. Se antes a corrida era por escala, hoje o que se busca é integração eficiente. Empresas que cresceram sem governança, com passivos ocultos e processos frágeis, dificilmente capturam valor em um M&A. O próximo ciclo não vai comprar apenas base de assinantes, mas gestão, cultura organizacional e capacidade de executar.
Esse é um ponto sensível: a consolidação é inevitável, mas nem todos estarão prontos para participar dela. A diferença estará em quem se profissionalizar, adotar indicadores claros, integrar sistemas e preparar times para uma jornada que vai muito além de números no papel.
2. Experiência como diferencial competitivo
O setor já cumpriu o papel de conectar milhões de brasileiros. Hoje, praticamente todas as casas estão online. O desafio agora é entregar algo além do básico.
Velocidade e preço ainda importam, mas não são mais suficientes. O consumidor passou a comparar tempo de resposta do suporte, clareza na ativação, estabilidade da rede e até mesmo a percepção de valor da marca. Isso significa que a experiência virou o novo diferencial competitivo e quem não se organizar para entregar consistência nesse aspecto corre o risco de ver o churn corroer margens e reputação.
3. B2B como nova fronteira
O segmento corporativo desponta como uma das grandes oportunidades do setor. Mas é um mercado que exige outro tipo de mentalidade. Não se trata de vender o mesmo produto residencial para empresas, mas de construir soluções personalizadas, com SLA robusto e portfólio consultivo.
Redes privativas, conectividade segura, mobilidade empresarial, backup em nuvem, telefonia IP e soluções de TI integrada são apenas alguns exemplos. A questão é que o B2B não tolera promessas não cumpridas: cada minuto de indisponibilidade pode significar perdas financeiras significativas para o cliente. Isso exige preparo técnico, mas principalmente capacidade de entender o negócio do contratante e entregar valor sob medida.
4. Infraestrutura invisível: datacenters e edge
Por trás da conectividade, existe um universo pouco visível para o consumidor final, mas que é cada vez mais estratégico. Datacenters interconectados, pontos de presença regionais e edge computing já não são apenas infraestrutura, mas diferenciais de produto.
A latência mínima se tornou um atributo crítico. Aplicações de inteligência artificial, realidade aumentada, IoT, cloud gaming e transações financeiras em tempo real não funcionam sem capacidade de processamento distribuída e próxima do usuário. Isso abre espaço para que ISPs e operadoras explorem novos modelos de negócio ao transformar suas redes descentralizadas em plataformas para conteúdo, cache e aplicações locais.
O futuro será híbrido: hyperscale em grandes centros e edge espalhado em cidades médias e regiões estratégicas. Esse equilíbrio é o que dará competitividade a um país do tamanho do Brasil.
5. Regulação e competitividade justa
O avanço regulatório tem peso decisivo nesse processo. O novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC), as discussões sobre postes e a revisão de assimetrias são temas que podem redefinir o setor.
Aqui, a mensagem recorrente foi clara: formalização e compliance não são apenas obrigações legais, mas diferenciais competitivos. Empresas que estiverem em conformidade terão acesso a crédito, parceiros estratégicos e processos de consolidação. Já as que permanecerem na informalidade, por mais que consigam competir no curto prazo, ficarão fora das grandes oportunidades de médio e longo prazo.
6. Ecossistemas digitais e novos modelos de receita
O setor entendeu que não é mais possível sustentar margens apenas na venda de megabits. Diferenciação passa por serviços de valor agregado que façam sentido para a base de clientes.
No residencial, isso significa bundles inteligentes com OTTs, streaming, música, jogos e segurança digital. No corporativo, soluções de rede, nuvem, telefonia IP e mobilidade empresarial. O desafio é que SVAs genéricos não funcionam é preciso desenhar portfólio de acordo com a realidade de cada público, educar o cliente e integrar operações de billing e suporte.
O movimento internacional dos “super bundles” já aponta nessa direção: provedores e telcos se posicionando como hubs digitais, onde o cliente acessa múltiplos serviços de forma simples e conveniente.
Conclusão
O setor de telecomunicações no Brasil vive uma encruzilhada. De um lado, desafios históricos como informalidade, saturação do mercado residencial e alta competição por preço. De outro, um horizonte cheio de possibilidades em B2B, edge, ecossistemas digitais e novos modelos de receita.
O que vai separar os vencedores dos demais é a capacidade de se profissionalizar, inovar e pensar além do link. Governança, experiência, infraestrutura invisível, competitividade justa e visão de longo prazo são os ingredientes para um crescimento sustentável.