No momento em que a Inteligência Artificial (IA) avança nos processos de negócio, nas operações e nas interações com clientes, a governança de IA se apresenta como componente estratégico.
Visando saber mais sobre como isso funciona na prática, conversamos com quem entende do assunto. Nicola Sanchez, CEO da Matrix Go, é o entrevistado para trazer prática e visão sobre os desafios e as oportunidades da governança de IA nas organizações.
Continue com a gente e saiba mais sobre como a governança em IA está se desenvolvendo como um novo pilar estratégico para as organizações.
O que é governança de IA e por que importa?
Segundo Nicola Sanchez, “a governança de Inteligência Artificial é o sistema nervoso que sustenta o uso responsável e eficiente da tecnologia dentro das organizações”.
Conforme o especialista, ela envolve políticas, papéis, processos e controles que acompanham todo o ciclo de vida da IA: desde a coleta de dados até a operação dos modelos em produção.
Com essa definição clara, nota-se que o objetivo da governança vai além de mera regulação. Trata-se de possibilitar que a IA seja escalada com segurança, previsibilidade e disciplina. Dentro desse contexto, as empresas maduras “são aquelas capazes de medir resultados, mitigar riscos e garantir consistência nas interações automatizadas”, explica Sanchez.
A transição do uso experimental ao uso institucional exige que as organizações tratem a governança de IA como pilar estratégico da transformação digital, integrando critérios de transparência, accountability e mitigação dos riscos da IA.
Comitês de ética e estruturas de governança interna
Uma prática cada vez mais adotada é a criação de comitês de ética ou conselhos dedicados à IA — estruturas que operacionalizam os princípios por meio de decisões e supervisão.
De acordo com Sanchez: “Em grandes empresas é comum a existência de um Comitê Executivo de IA, que define diretrizes estratégicas e viabilidade de risco”.
Ele complementa dizendo que: “Além disso, há um Comitê Técnico-Ético, formado por especialistas em dados, jurídico, produto e experiência do cliente”.
Esses grupos são responsáveis por revisar modelos, avaliar impactos éticos e validar métricas de qualidade e segurança. No Brasil, um exemplo institucional é o Comitê de Governança da Estratégia Brasileira de IA (EBIA), que atua como instância pública de referência para princípios éticos da tecnologia.
No entendimento de Sanchez, esses comitês, longe de travar inovação, devem “permitir decisões mais rápidas e seguras sobre quando e como adotar novos sistemas de IA”.
Essas instâncias reforçam o caráter institucional da responsabilidade corporativa e da ética algorítmica, ao centralizar decisões delicadas em fóruns multidisciplinares com perfil técnico e estratégico.
Auditoria de algoritmos e explicabilidade com equilíbrio
Auditar algoritmos, assegurar explicabilidade e garantir rastreabilidade são componentes essenciais para a governança de IA.
Sanchez destaca que nem todo caso de uso exige a mesma minúcia. De acordo com ele, os projetos de baixo risco podem seguir fluxos mais leves, com menos regulação.
Ao mesmo passo, as aplicações que afetam decisões sensíveis, como crédito, saúde ou atendimento ao cliente, exigem processos mais robustos de validação, testes de viés e registro de logs.
O representante da Matrix Go também nos disse que há técnicas modernas que ajudam nesse equilíbrio. RAG com citações de fonte, e logs de prompts, por exemplo, conseguem rastrear a origem das respostas e justificar cada decisão do modelo.
Essa abordagem favorece o princípio da proporcionalidade: não tratar com o mesmo rigor casos triviais e casos de alto impacto.
Auditorias periódicas, indicadores de viés, métricas de fairness, inspeção de deriva de dados (data drift) ou mudanças conceituais (concept drift), todos esses controles fortalecem a transparência e a accountability no uso da IA.
Compliance digital, LGPD e diretrizes da OCDE no Brasil
No Brasil, o regime da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) introduziu ao ambiente corporativo o conceito de responsabilidade digital, forçando empresas a formalizarem bases legais para cada tratamento de dados, políticas de minimização e mecanismos de contestação em decisões automatizadas.
Sánchez observa que: “A LGPD contribuiu bastante para nacionalizar a ideia do digital accountability; em tradução, responsabilização digital das empresas e conformidade com as leis de gestão de dados.”
Além da LGPD, as diretrizes da OCDE agregam direção ao arcabouço de governança: bem-estar humano, transparência, robustez técnica, segurança e prestação de contas.
Tais diretrizes orientam as políticas internas e servem de referência em governança de IA confiável. O Brasil, como país membro da OCDE, está alinhado a esses princípios.
Com a aprovação do PL 2.338/2023 no Senado, a regulação de IA passou a considerar classificação de risco, exigência de documentação, supervisão humana e mecanismos de contestação de decisões automatizadas.
Sendo assim, as empresas que se anteciparem a essas exigências já obterão vantagem competitiva. Sanchez afirma que “modelos de alto impacto precisarão de testes de robustez, documentação detalhada e canais de contestação.”
É importante ainda destacar que regulações estaduais também começam a emergir: Goiás aprovou a Lei Complementar 205/2025, que institui um Núcleo de Ética e inovação em IA e sandbox regulatórios para testes controlados.
Todas essas iniciativas locais alimentam o ecossistema de governança enquanto o marco federal ainda está sendo consolidado.
Integrando IA ao ESG tecnológico e responsabilidade corporativa
A intersecção entre IA e ESG ganha corpo no que podemos chamar de ESG tecnológico.
A governança de IA conecta-se diretamente às dimensões social e de governança dos critérios ESG:
- No aspecto social, evita discriminação algorítmica, promove justiça, equidade e inclusão nos modelos;
- Na governança, instaura mecânicas de auditoria contínua, rastreabilidade, canais de responsabilização e transparência aos stakeholders.
Sanchez afirma: “Empresas que tratam a IA com esse cuidado reduzem riscos reputacionais e fortalecem a confiança com clientes, investidores e sociedade.”
Cultura interna, capacitação e maturidade organizacional
Nenhuma norma ou framework valerá se a cultura corporativa não aderir à responsabilidade no uso da IA. Com base nisso, Sanchez ressalta: “A governança de IA só se sustenta quando todos os colaboradores entendem o papel que desempenham na cadeia de responsabilidade da IA. Isso inclui desde o cuidado com dados até o uso consciente de agentes generativos no dia a dia.”
Para isso, são necessárias trilhas de capacitação adaptadas a perfis técnicos, jurídicos, de produto, marketing, atendimento — e ritos de revisão de modelos, simulações de incidentes e aprendizado coletivo contínuo.
A maturidade em governança de IA evolui conforme o nível de adoção da tecnologia: no estágio inicial, devem-se estabelecer princípios básicos e definir pontos focais; na fase emergente, formalizam-se comitês, métricas e processos padronizados; em organizações maduras, a governança de IA já integra processos de MLOps e compliance cotidiano.
Riscos da IA: como mitigá-los com governança robusta
Se não bem governada, a IA pode gerar falhas graves: vieses, decisões erradas, discriminação, vazamento de dados, danos reputacionais e litígios regulatórios.
A governança de IA atua como freio estratégico para limitar esses riscos da IA. As principais abordagens de mitigação são as seguintes:
- Avaliação sistemática de risco por tipo de uso;
- Testes de viés e fairness;
- Supervisão humana e revisão de decisões automatizadas;
- Logging, rastreabilidade e auditoria;
- Monitoramento de desempenho (drift);
- Canais de contestação e accountability; e
- Processos de resposta a incidentes e mitigação de danos
Esses controles promovem confiabilidade, segurança e resiliência, componentes que sustentam a responsabilidade corporativa no largo prazo.
Governança de IA: diferencial competitivo ou exigência básica?
Para Nicola Sanchez, hoje governar bem a IA ainda é um diferencial competitivo, mas caminha para se tornar exigência mínima.
A real fronteira de vantagem estará na capacidade de executar com disciplina: dados de qualidade, observabilidade em tempo real e integração fluida entre humanos e agentes digitais.
Para organizações com ambição de liderar a transformação digital com IA, a governança de IA, aliada à ética algorítmica, ao compliance digital e ao alinhamento com regulação de IA e critérios ESG tecnológico, forma o arcabouço que garante escala, confiança e sustentabilidade.
Em síntese: o novo pilar estratégico da transformação digital não é apenas a adoção de IA, mas a sua boa governança, transparente, responsável e alinhada com valores corporativos e regulatórios.