A Agência Nacional do Cinema (ANCINE) é uma agência reguladora que tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. Desenvolver e regular o setor audiovisual em benefício da sociedade brasileira é de grande importância para a melhoria do segmento no país.
O aprimoramento dos instrumentos regulatórios e de controle em todos os elos da cadeia produtiva do setor podem permitir que mais obras audiovisuais nacionais e independentes possam ser vistas e apreciadas por um número cada vez maior de brasileiros, impulsionando, assim, a economia do setor.
Um dos recursos para esta melhoria é o blockchain, uma tecnologia de registro distribuído que garante a descentralização das informações relativas a processos e transações como medida de rastreabilidade, proteção da inviolabilidade e segurança dos dados. As bases de registros e dados distribuídos e compartilhados a partir do blockchain têm como finalidade criar um índice global (index) de todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Funciona como um livro-razão público compartilhado e universal.
No mercado de audiovisual, o blockchain pode beneficiar a toda cadeia (produção da obra, a distribuição e exibição) eliminando intermediários no registro e dados distribuídos, evitando fraudes e manipulação de informações reportadas aos agentes do setor. O sistema responde pela rastreabilidade de todos os dados da cadeia de distribuição e veiculação, desde a obtenção da obra até a exibição, podendo inclusive controlar todas as transferências de valores relativas a cada processo, podendo ajudar a controlar onde está a obra audiovisual, onde e quantas vezes ela foi veiculada/exibida, e se houve alguma omissão ou adulteração.
Como exemplo prático, e levando-se em conta que as salas de cinema, emissoras de TV e serviços de streaming ou mídias físicas (DVD), fazem a exibição da obra audiovisual e os agentes destes canais de veiculação têm que reportar ao distribuidor (e este ao autor da obra) o que foi exibido e, com isso, realizar os repasses financeiros, a tecnologia blockchain permite a rastreabilidade e inviolabilidade de todos os dados sobre a veiculação/comercialização do ativo (neste caso a obra audiovisual), além de permitir a inclusão de regras, como por exemplo, que se proíba a exibição de mais de um filme no mesmo local e horário.
O blockchain no mercado audiovisual pode também beneficiar todos os procedimentos regulamentados atuais, sendo flexível e escalável à novas possíveis regras, devido às seguintes características:
Imutabilidade: nenhum participante pode adulterar uma transação depois dela ter sido registrada. Se uma transação possuir um erro, uma nova transação deve ser usada para reverter o erro, e ambas as transações estarão são visíveis aos envolvidos e interessados. Isso cria uma fonte de verdade única compartilhada por todos os elementos da cadeia. Dessa forma é possível acompanhar e auditar transações em várias etapas da cadeia e parceiros operacionais.
Automação: a rede auto valida todas as entradas do ledger (principal arquivo de computador para registro e totalização de transações) possibilitando a criação de regras de negócios automáticas com processamento, quase que em tempo real. Essa ação faz com que se tenha um ganho de confiabilidade assim como um aumento na eficiência;
Redução de custo: por eliminar intermediários no reporte de informações, o blockchain elimina custos operacionais, custos relacionados a auditorias pontuais e conciliações de eventos;
Escalabilidade: uma rede blockchain possibilita a entrada e saída de participantes a qualquer momento de forma simples e rápida, além de atualizar seus contratos inteligentes para se adequar a mudanças no processo. Assim, ela tem permite aumentar a capacidade operacional de todo o processo envolvido sem perder o investimento da tecnologia existente;
Auditabilidade: as informações são compartilhadas com todos que tem necessidade de realizar auditorias e verificações no processo e todos as informações atuais e do passado estão disponíveis em tempo real;
Segurança e Privacidade: cada organização possui direito de leitura ou de escrita apenas da parte a que realmente tem direito. Uma produtora jamais consegue ler ou escrever no blockchain quaisquer informações relativas a outra produtora. A confidencialidade é mantida através de técnicas criptográficas e/ou técnicas de particionamento de dados para dar visibilidade seletiva aos participantes da rede blockchain;
Descentralização: os registros realizados pelas organizações são compartilhados com as partes interessadas, atualizado com cada transação, e seletivamente replicado entre participantes em tempo quase real, sendo os ativos controlados por seus donos ao invés de guardiões institucionais. Por não ser propriedade ou controlado por uma única organização, a existência continuada da plataforma blockchain não depende de qualquer entidade individual;
Consenso: a hierarquia do registro dos dados, permissões de leitura e escrita fazem parte do blockchain e é chamado de “consenso”, que é interpretado de acordo com as regulamentações, normativas, processos ou leis que motivaram a criação da rede compartilhada;
Flexibilidade: regras de negócios e smart contracts (executados com base em uma ou mais condições) podem ser construídos na plataforma e as redes de negócios blockchain podem evoluir à medida que amadurecem para suportar processos de negócios end-to-end e uma ampla gama de atividades.
Blockchain e o Audiovisual: um casamento de futuro
A indústria audiovisual brasileira tem uma elevada importância cultural, social e econômica para o Brasil. Composta por aproximadamente 13 mil empresas de diversos tamanhos e de todos os elos da cadeia: produção, distribuição, exibição, canais, empacotadoras, entre outros, geram mais de 300 mil empregos, responde por 0,46% do PIB nacional e fatura em torno de R$ 45 bilhões anualmente. A atividade agrega ainda um valor adicionado de R$ 24,5 bilhões à economia, sendo responsável pela arrecadação anual em impostos diretos e indiretos que chegam a R$ 3,4 bilhões. O setor cresce no país a uma taxa média de 8,8% ao ano e agrega à economia nacional o equivalente a R$ 25 bilhões.
Em um segmento tão importante e abrangente quanto esse é lógico que a tecnologia se faça presente dando sua parcela de contribuição para o sucesso do setor. Nesse sentido, o blockchain vem sendo debatido como alternativa positiva para atender a demandas diversas da cadeia de produção do setor, desde o financiamento de uma obra, a prestação de contas de uma obra e até o combate à pirataria. Vemos um casamento de futuro entre a tecnologia e o audiovisual brasileiro.
* Otávio Soares é Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira das Over-The-Top´s (ABOTT´s) e diretor da GoLedger, empresa de tecnologia especializada em blockchain.